I - Em Busca do Tempo Perdido: O Movimento Tradicionalista Gaúcho (PARTE I)

Dois aspectos são comuns àqueles que, a partir de perspectivas diversas, cultuam as tradições gaúchas: a presença do campo, mais especificamente da região da Campanha, localizada no sudoeste do Rio Grande do Sul, na fronteira com Argentina e Uruguai; e a figura do gaúcho, homem livre e errante, que vagueia soberano em seu cavalo, tendo como interlocutor privilegiado a natureza das vastas planícies dessa área pastoril (Oliven, 1988).Esse culto à tradição passou por diversos momentos. Começou em meados do século XIX, quando não existia mais a figura marginal desse gaúcho do passado, gradativamente transformado em peão de estância. Por volta de 1870 o Rio Grande do Sul experimentou modificações econômicas - com o cercamento dos campos, o surgimento de novas raças de gado e a ampliação da rede viária - que atingiram e modernizaram a Campanha, simplificando sua pecuária e eliminando certas atividades servis, como as dos posteiros e dos agregados, expulsos dos campos em grande número. A implantação de frigoríficos estrangeiros e a decadência das chasqueadas gaúchas acentuaram esse processo a partir do fim da Primeira Guerra Mundial, quando começou a aparecer o ‘gaúcho a pé’, expressão usada nos romances sociais de Cyro Martins.
Em meados do século XIX a figura do gaúcho estava praticamente extinta. Por isso, estava também em condições de ressurgir como instrumento ideológico de sustentação dos que a tinham destruído (Gonzaga, 1980, pp. 118-119). Em 1868, um grupo de intelectuais e escritores furìdou em Porto Alegre o Partenon Literário, sociedade de letrados que, através da exaltação da temática regional, tentou juntar os modelos culturais vigentes na Europa e a visão positivista da oligarquia rio-grandense. Vejamos o que diz Sergius Gonzaga:
“Caberia aos integrantes da Sociedade Partenon o esforço para louvação dos tipos representativos mais caros à. classe dirigente. Sedimenta-se ali o início da apologia de figuras heróicas, alçadas à condição de símbolos da grandeza do povo rio-grandense. Encontra-se na sedição farroupilha os paradigmas de honra, liberdade e igualdade que se tornariam inerentes ao futuro mito do gaúcho, dissolvendo-se os motivos econômicos e as diferenças entre as classes, existentes no conflito. A configuração dos heróis não era ainda a do gaúcho estilizado e ‘glamourizado’, mas o vetor encomiástico já se fazia presente. Compreende-se a apologia em função do surgimento nas cidades, em especial Porto Alegre, de jovens ‘ilustrados’- oriundos dos setores intermediários - que iriam usar as ‘belas letras’ como alavanca para sua escalada. Repetia-se um fenômeno de extensão nacional: o processo de mobilidade social dessa inteligentsia de origem bastarda condicionava-se à intimidade que pudesse ter com os detentores do poder. Articulava-se uma troca: ascensão, prestigio ou simples reconhecimento cambiados por subideólogos, aptos a oferecer fórmulas (amenas à oligarquia) de representação da realidade, e por artistas, capazes de pôr em prosa e verso as qualidades varonis dessa mesma oligarquia” (Gonzaga, 1980, pp. 125-126).Embora os literatos do Partenon tenham exaltado a temática gaúcha, só em 1898 surgiu a primeira agremiação tradicionalista, o Grêmio Gaúcho de Porto Alegre, voltado para a promoção de festas, desfiles de cavalarianos, palestras e outras atividades ligadas ao culto das tradições. A fundação da entidade foi obra de João Cezimbra Jacques, republicano, positivista, homem de origens modestas que lutara como voluntário na Guerra do Paraguai e recebera a patente de major do Exército. Segundo ele, o Grêmio tinha como objetivo“organizar o quadro das comemorações dos acontecimentos grandiosos de nossa terra (...) Pensamos que esta patriótica agremiação não é destinada a manter na sociedade moderna usos e costumes que estão abolidos pela nossa evolução natural e que a época em a qual vivemos não comporta mais, e nem é tampouco ela -uma associação, tendo por fim trazer para objeto de suas práticas jogos e elementos recreativos do tempo corrente e importados do estrangeiro. Nem uma coisa nem outra. Mas é ela, sim, uma associação destinada a manter o cunho de nosso glorioso Estado e conseqüentemente as nossas grandiosas tradições integralmente por meio de comemorações regulares dos acontecimentos que tornaram o sul-rio-grandense um povo célebre diante, não só de nossa nacionalidade, como do estrangeiro; por meio de solenidades ou festas que não excluem os usos e costumes, os jogos ou diversões do tempo presente; porém, figurando nelas, tanto quanto possível, os bons usos e costumes, os jogos e diversões do passado; por meio de solenidades que não só relembrem e elogiem o acontecimento notável a comemorar, pelo verbo ou pelo discurso, como por meio de representação de atos, tais como canções populares, danças, exercícios e mais práticas dignas, em que os executores se apresentem com o traje e utensílios portáteis, tais como os de usos gauchescos” (Jacques,1979, pp. 56 e 58).
Além de enfatizar o culto às tradições, a citação trata de questões que, na época, despontavam: a existência de costumes superados por “nossa evolução natural”, a problemática das práticas trazidas “do estrangeiro”, a existência de “bons” usos e costumes etc. Em outros termos, as mesmas questões seriam recolocadas mais tarde.
Havia dois aspectos comuns ao Partenon Literário e ao Grêmio Gaúcho. O primeiro: ambos eram formados por pessoas de origens modestas, não detentoras de terras ou de capital. Como ocorreu em outras partes do Brasil e do mundo, a atividade intelectual era, ao lado das carreiras militar e política, uma das poucas formas de ascensão disponíveis a pessoas oriundas das camadas depossuídas e desejosas de ingressar na esfera do poder. As condições econômicas, sociais e políticas ainda não permitiam que se formasse uma camada de intelectuais dotada de relativa autonomia.O segundo aspecto era a preocupação com a questão da tradição e da modernidade, presente em ambas as entidades, embora sob formas diferentes. Ao mesmo tempo em que tinha como modelo o que considerava mais avançado da Europa culta, o Partenon evocava a figura tradicional do gaúcho e louvava seus abalados valores. O Grêmio Gaúcho, nas palavras de seu fundador, procurava manter as tradições, mas sem excluir os costumes do presente. Nos dois casos, um mesmo pano de fundo: um estado em transformação, no qual a tensão entre passado e presente começava a se fazer sentir.
No ano de criação do Grêmio Gaúcho, o líder republicano e positivista Borges de Medeiros assumiu pela primeira vez a presidência do Rio Grande do Sul, iniciando um domínio sobre a-política local que duraria trinta anos. A Proclamação da República levara ao poder o Partido Republicano Rio-Grandense, no qual era pequena a influência da oligarquia pecuária da Campanha. O novo grupo dominante, embora também pertencente à elite econômica, provinha do Norte do estado e era formado por jovens que haviam estudado em universidades do Centro do país. Positivistas, dotados de um projeto modernizador e autoritário, consideravam o despotismo esclarecido como a melhor estratégia para organizar a sociedade local. Auguste Comte era favorável à existência de “pequenas pátrias” com não mais do que três milhões de habitantes (na época da Proclamação da República, o Rio Grande do Sul tinha aproximadamente um milhão). Como, naquele momento, as províncias não tinham condições de se tomar independentes, os positivistas brasileiros, interpretando a idéia de Comte, defendiam a adoção de um federalismo radical. Para Júlio de Castilhos, fundador e ideólogo do Partido Republicano Rio-Grandense, isso implicava “o não-reconhecimento de uma única nação brasileira, mas de várias nações brasileiras provisoriamente organizadas sob uma federação; a independência de cada estado para organizar-se de forma republicana sem nenhuma limitação por parte da Constituição Federal” (Pinto, 1986, p. 36).
Coerente com a idéia positivista de que o progresso só poderia ser alcançado se a ordem fosse mantida, o lema de Júlio de Castilhos era “conservar melhorando”. Pouco antes da Proclamação da República, ele defendeu em A Federação,jornal de seu partido, que o 20 de setembro (data de eclosão da Revolução Farroupilha de 1835-1845) fosse adotado como Dia do Gaúcho: “A comemoração do 20 de setembro tem, pois, este sentimento, significando que o passado é a fonte em que o presente se inspira para delinear o futuro”. Com o advento da República, e a ascensão de seu partido ao poder no Rio Grande, Castilhos elaborou uma constituição estadual de forte inspiração positivista, que definia como “insígnias oficiais do estado as do pavilhão tricolor da malograda República Rio-Grandense”.
Nas Américas, assim como na Europa, a associação entre passado e presente foi uma constante em projetos modernizadores ligados à criação de estados nacionais ou à organização da sociedade. Se a nação é “uma comunidade de sentimento que normalmente tende a produzir um Estado próprio” (Weber, 1982, p. 207), antigas tradições reais ou inventadas - precisam ser invocadas para dar fundamento ‘natural’ às identidades em vias de criação, obscurecendo-se assim o caráter artificial e recente dos Estados nacionais. Essa dialética entre velho e novo, passado e presente, tradição e modernidade, foi uma constante nos processos que estamos analisando no Rio Grande do Sul. A fundação do Grêmio Gaúcho foi seguida pela criação de mais cinco entidades, consideradas pioneiras pelos tradicionalistas (1) União Gaúcha de Pelotas (fundada em 1899 por Simões Lopes Neto, grande escritor regionalista), Centro Gaúcho de Bagé (1899), Grêmio Gaúcho de Santa Maria (1901), Sociedade Gaúcha Lombagrandense (fundada em 1938 em área de colonização alemã) e Clube Farroupilha de Ijuí (fundado em 1943 em área de colonização alemã e italiana).

CONTINUA EM OUTRA POSTAGEM

Autor: Ruben Oliven
Fonte: http://www.anpocs.org.br/

A peculiaridade de Barbosa Lessa para o gauchismo

O Gauchismo vem se formando desde o século XIX com o Partenon Literário, Grêmio Gaúcho e diversos autores que resgataram e idealizaram a figura do gaúcho.O Movimento Tradicionalista Gaúcho foi fundado somente em meados do século XX com a liderança de Paixão Cortês e os cavaleiros julianos. Contudo o Primeiro a tentar constuir uma base científica ao movimento tradicionalista (antes dele as elaborações eram somente literárias) foi Barbosa Lessa no artigo intitulado "O Sentido e o Valor do Tradicionalismo". Por isso ele se torna para nós, referência na discussão do tema gauchista tal como propomos, a saber, a elaboração de uma base cientifica ao movimento.



Resistência Cultural!

O fenômeno da Globalização, sem dúvida alguma, surgiu como uma forma de ampliação dos interesses do capital, onde capitalizar os lucros e socializar os prejuízos é o principal objetivo de seus protagonistas. Nessa esteira, os países periféricos continuam na submissão colonialista ao chamado primeiro mundo, principalmente na esfera econômica e cultural. Para justificar suas pretensões, este constrói teses como a do pensamento único - o seu, naturalmente, - e falácias como a do Fim da História, com o intuito de que esqueçamos o nosso passado, as nossas raízes, em prol das benesses da globalização neoliberal. E a mão invisível dos Estados do lado de cá deve sempre atender às conveniências do mercado de lá, em detrimento dos interesses legítimos de seus cidadãos de segunda classe: o povo. E até a Lei Maior dos pobres países deve se submeter à essa Nova Ordem Mundial. A cultura dos colonizados deve desaparecer e abrir oportunidades para a exploração econômica da pretensa cultura hegemônica mundial, imposta a um mundo subserviente a esses e a outros interesses dos eternos colonizadores. O nivelamento cultural apregoado pelo mercado sem fronteiras tenta soterrar centenárias tradições regionais, locais, em nome de um suposto e duvidoso comércio comum. Diante de tais interesses, aos cidadãos restam duas opções: aceitar passivamente as perniciosas imposições ou resistir, defendendo as identidades culturais de suas aldeias. Ao Movimento Tradicionalista Gaúcho Brasileiro, no entanto, diante das suas cláusulas pétreas de índole moral-cultural, contidas na sua Carta de Princípios, não lhe é conferida escolha alguma. Deverá continuar observando, fiscalizando e promovendo a Filosofia Tradicionalista entre as suas entidades filiadas, sem rendição a tais interesses econômicos, globalizados ou não. Aos cidadãos tradicionalistas, a estes é garantido o exercício legítimo do direito de resistência cultural, em nome dos mais altos interesses de todo o Bravo Povo Gaúcho Brasileiro!
Origem: sitio Bombacha Larga

Conceitos básicos de sociedade e cultura

Este texto compreende sete crônicas publicadas por Barbosa Lessa no periódico "Extra-Classe", do Sindicato dos Professores do RS.As crônicas constituintes desse texto são 2000 e 2001

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Como o tempo passa correndo, bah! Parece que foi ontem que o editor Marcelo Menna Barreto, levando em conta meu gosto pela história, me fez o inesperado e honroso convite para que eu me tornasse um colaborador permanente do Extra Classe, numa nova coluna que versaria sobre Imagens do Passado. Pois lá se foram quatro anos! Quatro anos de gostoso convívio com leitores a quem não conheço pessoalmente mas que, sem dúvida, já fazem parte do lado mais positivo de minha vida.
Comecei com “A primeira escola do Rio Grande do Sul”, versando sobre o Colégio das Servas de Maria, fundado em 1778 pelo governador José Marcelino. Redação e leitura fáceis, descompromissadas, pelo fato de tanto eu quanto o leitor sermos meros espectadores de um episódio ocorrido há mais de dois séculos. A história é algo que já aconteceu.
Na última crônica, porém, houve uma virada que até me surpreendeu. Ao versar sobre o rico cabedal de provérbios que nos foram legados pelas gerações anteriores, grande parte dos quais ainda vigentes, tanto eu quanto o leitor fomos induzidos a tomar um posicionamento pró ou contra os ensinamentos pretendidos pela cultura popular. Não podemos ser meros espectadores. A cultura é algo que está acontecendo em nosso dia-a-dia.
Então me dei conta de que não tem havido preocupação por transmitir ao indivíduo comum um mínimo de conceitos básicos que evidenciam o papel que ele desempenha em determinada cultura. Se ele já aprendeu o ABC e as quatro operações, já está preparado para o que der e vier. Mas não é assim, não. Por isso, peço licença ao Extra Classe para ir preenchendo meu espaço com alguns tópicos fundamentais para melhor compreensão do próprio passado. Sei que os doutos, os eruditos, até podem se rir do primarismo de minhas “lições”. Mas também sei que muita gente boa poderá exclamar “ah é? e eu que não sabia!”
Começo me valendo da autoridade de mestre Emílio Willems para definir Sociedade: “Conjunto relativamente complexo de indivíduos de ambos os sexos e de todas as idades, permanentemente associados e equipados de padrões culturais comuns, próprios para garantir a continuidade do todo e a realização de seus ideais”. É isso aí.
O homem, ao nascer, traz consigo uma herança física, isto é, uma série de caracteres genéticos e um comportamento individual instintivo que o tornam um animal específico, diferente dos outros animais. Mas ele também irá receber uma herança social, isto é, uma série de símbolos, idéias, atitudes, equipamentos e técnicas que irão determinar o seu comportamento dentro do grupo social a que pertence. (continua no próximo número)
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Cultura é tudo aquilo que, não sendo estrutura biológica nem comportamento instintivo, se acrescenta à herança física do indivíduo. Por exemplo: a criança começa emitindo vagidos e outros sons rudimentares, até que esses sons se transformem em linguagem articulada, com significados precisos; e então a Língua já será expressão cultural. Cultura também é tudo aquilo que o homem acrescenta à natureza, operando sobre o ambiente que o cerca. Por exemplo: na mata há galhos, folhas, raízes, cipós; quando o índio pega de um galho de guatambu e o retesa com cipós, a flecha já será uma expressão cultural.
Cultura e Sociedade são reciprocamente dependentes. É a posse de uma Cultura que dá à sociedade sua unidade psicológica e permite que os indivíduos vivam em conjunto com um mínimo de ambigüidades. E é a Sociedade, por seu comportamento coletivo, que dá à cultura uma manifestação expressa, objetiva, assimilável pelo indivíduo e transmissível de geração a geração.
Para fins puramente conceptuais, podemos colocar de um lado a cultura material, ergológica, e, de outro, a cultura imaterial. A primeira, que se identifica com o conceito de Civilização, é representada pelos equipamentos, artefatos e técnicas de que o grupo social se serve para atuar sobre a natureza. A segunda se constitui num sistema de símbolos, idéias, atitudes, reações emocionais condicionadas e maneiras socialmente padronizadas.Na base disso tudo está a comunicação, que é o processo pelo qual o ser humano – originalmente uma unidade física – se integra a uma unidade maior, a comunidade, e o processo pelo qual se transmitem numa sociedade, as idéias, sentimentos, estruturas sociais, bens e mercadorias.
A comunicação seria a coisa mais fácil deste mundo se não houvesse, para complicá-la, a competição – a começar pela competição ecológica, que é a disputa dos recursos naturais pelos seres vivos. Mas a cultura brasileira não ignora o fenômeno, e tanto assim que já sacramentou um provérbio: “Quem não se comunica, se trumbica”.
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Mesmo que não tenha conhecimento disso, cada cidadão ou cidadã faz parte de uma Sociedade e de uma Cultura, que evoluem para cá ou para lá de acordo com a votação diária (e geralmente inconsciente) de todo o eleitorado constituinte. Para que a eleição se torne mais clara é que vimos arrolando alguns conceitos básicos que influem diretamente no exercício da cidadania.Já dissemos que Comunicação é o processo pelo qual idéias, sentimentos, bens e mercadorias se transmitem de indivíduo para indivíduo, permitindo que o ser humano – originalmente uma unidade física – se integre a uma unidade maior, que é a comunidade.
Agora nos referimos à difusão, que é o processo pelo qual os elementos culturais se propagam dentro da comunidade em que tiveram origem, ou, fora, em sociedades culturalmente diferentes. Contato cultural é a relação estabelecida por tais grupos ou sociedades. Conflito cultural é a incompatibilidade entre valores culturais quando ocorre o contato.
Acomodação (antítese da competição) é todo e qualquer processo que conduz à cessação de conflitos. Aculturação significa as mudanças ocorridas na cultura de dois ou mais grupos quando postos em contato direto e contínuo. Desintegração é a desarticulação de padrões de uma determinada cultura, motivada pela introdução de elementos culturais antagônicos, incompatíveis com a ordem pré-existente. Reintegração é a possível fase que se segue ao conflito e à desintegração, podendo implicar no obscurecimento total ou parcial da fisionomia anterior, ou na fusão de certa parte de seus elementos em uma configuração nova.
Tradição (do latim traditio) significa a entrega de algo, sendo em tal sentido adotada pela jurisprudência para caracterizar a concreta passagem de um bem à propriedade de outrém, como ocorre numa promessa de compra e venda ou numa herança norteada pelo testamento do finado. Com um leve sentido simbólico, em nossa temática ela significa a entrega da cultura de uma determinada geração à geração subseqüente.
A atitude tradicionalista tende a valorizar a herança social transmitida pelos antepassados, com menosprezo pelas novidades ainda não sancionadas pela experiência. Em contraste com tal postura, a atitude consumista tende a valorizar e consumir, imediatamente, renovados bens e renovadas idéias, com menosprezo pelos critérios do passado.
Em qual categoria você acha que se situa? É tradicionalista? Consumista? Ou prefere votar em branco, na eleição cultural, deixando a coisa rolar para ver como é que fica?
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Desde o alvorecer da humanidade, durante milênios, e ainda hoje, boa parte da cultura é feita e transmitida espontaneamente, por assim dizer instintivamente; e, no tocante, à cultura material, ergológica, utilizam-se os próprios meios fornecidos pela natureza, ou instrumentos rudimentares ao alcance de qualquer um. É mínima a sofisticação tecnológica. Os problemas são resolvidos à base da tradição, transmitida de geração a geração pela família e pelo grupo local.
A transmissão de ensinamentos se faz no dia-a-dia, não existindo nenhuma categoria profissional que assuma conscientemente a missão de ensinar. As especialidades ocupacionais são transmitidas naturalmente pelas mulheres mais velhas às mais jovens, pelos velhos guerreiros aos principiantes, pelos experimentados caçadores aos calouros, e assim por diante. Todos ensinam, naquelas áreas de sua competência. Daí resultando uma espécie de cultura comunitária, a que William Thoms deu o nome de “folk-lore”, de difícil tradução para o português, algo assim como “sabedoria do povo”. Em sua trajetória ao longo dos anos o “folk-lore” tem se expressado fundamentalmente através da linguagem oral e, freqüentemente, vale-se de ensinamentos concisos – os provérbios – e de construções teóricas super-compactas, capazes de serem expressas por uma ou duas palavras – os mitos.
Na cultura espontânea, ou folk, a maioria das pessoas sobrevive manipulando coisas: a flecha, o anzol, a enxada, o tear, a agulha, etc. O artesão se caracteriza como produtor de coisas úteis – que podem ser, também, belas. Seu sistema de trabalho, manual, aproveita matéria-prima gratuita ou de pequeno valor pecuniário. Uma única pessoa, quando muito auxiliada por aprendizes, realiza o trabalho do princípio ao fim e cada peça produzida resulta única, reveladora de qualidades nitidamente pessoais.
Neste estágio – quando ainda não apareceu uma instituição especificamente voltada para a transmissão de ensinamentos – pode-se dizer que toda a educação é “folclórica”, ou todo o folclore é “educacional”.
Já então podemos conceituar Educação em seu sentido lato: é o processo pelo qual o indivíduo adquire, pela aprendizagem, os hábitos que o capacitam a viver de acordo com os padrões de uma determinada sociedade. Tal aprendizagem começa na primeira infância e se vai pela vida afora. A sabedoria popular já o disse: “Vivendo e aprendendo...” Mas a explicação dos fenômenos da natureza e da sociedade ainda é modesta, resultando na proeminência de uma área ainda difusa onde predominam as forças sobrenaturais. Os mitos, em tal circunstância, serão arquétipos acima do homem, no olimpo dos deuses ou configurados nas expressões violentas da natureza.
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Historicamente, a Cultura Cultivada surgiu de minorias privilegiadas que, tendo já superado o nível de produção para a simples sobrevivência, podiam agora entreter-se em exercícios de espírito. Surgiu com os papiros dos sacerdotes do antigo Egito, com os desenhos dos primeiros geômetras, e ganhou força quando instituições como a Igreja ou a Escola tomaram a si a tarefa consciente de transmitir conhecimentos de cunho humanístico, isto é, de valorização do ser humano. Através de mensagens desenhadas, pôde uma geração transmitir seus conhecimentos à geração seguinte sem a necessidade do contato pessoal.
A partir da escrita fonética, imitando os sons da fala humana, e dos tipos móveis de Gutenberg, reproduzindo-os em muitas cópias, a comunicação entra num ritmo espantoso, rompe-se a delimitação de territórios culturais, torna-se mais intenso o contato entre culturas diversas. O indivíduo letrado desgarra-se do grupo local a que pertence e, a cada novo livro que lê, há uma nova alternativa proposta ao seu universo de conhecimentos. A experiência do velho é contestada pelo jovem pesquisador, a ebulição espiritual descortina novos problemas e a inteligência busca resolvê-los.
Se a Cultura Espontânea manipulava, principalmente, coisas, já a Cultura Cultivada passa a manipular, cada ez mais, símbolos – a começar pelas letras ou signos de comunicação escrita. A divisão do trabalho, crescente, vai restringindo o núcleo de conhecimentos comuns a todos e vai multiplicando o segmento das especialidades. Surge a Escola como grande veículo de comunicação social. E a Educação, agora em sentido restrito, passa a ser o processo pelo qual a sociedade institui mecanismos para transmitir, à criança e ao jovem, os padrões de comportamento e o conhecimento das técnicas e ciências, sob regras pedagógicas expressas.
A educação formal, por sua própria essência, ignora a cultura folk, e toda sua sistemática consiste em ir afastando a criança e o adolescente, cada vez mais, dos padrões da sociedade espontânea. De tempos em tempos o professor põe à prova se o aluno já se afastou suficientemente: se este vence tal prova, passa; se não, roda, até aprender. E assim a sociedade vai se dividindo em fragmentos hierarquizados de acordo com a soma de conhecimentos formalmente adquiridos: pré-escolar, primeiro grau, segundo grau, etc. O status é dado pelo respectivo diploma. A liderança política da nação é assumida pelos bacharéis. E o analfabeto, coitado, nem sequer tinha direito a voto: era castrado em sua própria cidadania.
Mas no frigir dos ovos, sente-se que tais tensões causaram um extraordinário bem à Nação.
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Relembro a definição de Sociedade, que já lhes repassei, servindo-me do mestre Emilio Willems: “Conjunto de indivíduos de ambos os sexos e de todas as idades, permanentemente associados e equipados de padrões culturais comuns, próprios para garantir a continuidade de todo e a realização de seus ideais.” Esses padrões culturais comuns a todos, encontráveis mesmo nas tribos mais primitivas, são tecnicamente chamados de Universais. São a língua materna, a aparência das moradias, as peças dos artesãos produzindo coisas úteis, o comportamento diante dos altares consagrados aos deuses, etc. E cumpre fazer um comentário acerca de “todas as idades”. Não havia um estágio jovem na evolução etária do indivíduo. A criança era livre e irresponsável até o momento em que – por determinação fisiológica – se via enfrentando os “ritos de passagem” e instantaneamente transferida para a categoria de adulto. Por outro lado, reconhecia-se um estágio posterior à velhice: a vida na morte. Os mortos eram convidados para as cerimônias tribais, intercediam junto aos deuses, davam conselhos, enfim animavam todos os rituais de magia.

Além dos Universais, havia as Especialidades, compartilhadas por todos os indivíduos de uma mesma categoria. Por exemplo, os conhecimentos práticos reservados às mulheres no tocante aos cuidados das crianças e ao preparo de alimentos. Universais e Especialidades formavam o núcleo, coeso, do grupo local. As normas eram transmitidas com clareza pela Família, ditadas pela Tradição e quase sempre apoiadas pelos santos e outras super-entidades imateriais. E assim se completava o panorama da Cultura Espontânea.
Ao ocorrer o aparecimento da escrita fonética (imitando os sons da fala humana) e o impacto dos tipos móveis de Gutenberg imprimindo cópias e mais cópias de determinada mensagem, o panorama se modificou profundamente. A principal fonte de comunicação se transferia da família para a Escola. O indivíduo letrado desgarrava-se do grupo local a que pertencia e, a cada novo livro lido, novas Alternativas de comportamento iam sendo sugeridas para gravitarem em torno dos Universais e Especialidades. Os mitos, antes pertencentes a um mundo imaginário, passaram a ser figuras de carne e osso: os heróis nacionais. Ao lado do artesão, produtor de coisas úteis, foi ganhando aplauso o artista, produtor de coisas belas. E fortes aplausos para o professor, o inventor, o escritor, o orador, levaram em frente a Cultura Cultivada. Em que o pobre do analfabeto só valia pela força animal de seus braços.
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A maior revolução ainda estava por chegar: a Cultura de Massa. Ela evoluiu da imprensa para o rádio e chegou à gravação de discos, aos programas de rádio, às telenovelas, ao telefone celular. Lado a lado, o analfabeto e o doutor aplaudiram a “novela das oito”. Se, antes, a Sociedade Espontânea manipulava objetos e a Sociedade Cultivada difundia símbolos, já agora a Sociedade de Consumo – fruto e fator da Cultura de Massa – manipulava mercadorias, bens comercializáveis. Evoluindo do campo artesanal, o operário industrial se põe a serviço do empresário e promete-lhe auferição de bons lucros. Mas o empresário não depende exclusivamente do trabalhador: ali está a seu lado o profissional de Marketing, realizando pesquisas e indicando quais as mais promissoras fatias do mercado consumidor. E então é redescoberto o falecido jovem! Numericamente muito expressivo, mas já sem o apoio da Família e quase perdendo o apoio da Escola para a escolha das melhores Alternativas. As façanhas dos heróis nacionais já não o comovem, como também não o comovem os rituais de adoração dos deuses. Quem arranca suspiros de veneração, agora, são os heróis da Cultura de Massa: atores de televisão, craques de futebol, sensacionais cantores, belas modelos lançando novidades, e assim por diante. E se o jovem quiser um contato pessoal com eles, não há problema: ali está a Internet inteiramente à disposição.Como qualquer outro mortal dos dias de hoje, guardo em meu ser social um tantinho da Cultura Espontânea, apego-me ao que me foi ensinado pela Cultura Cultivada e, no fundo, cada vez mais admiro as proezas das Cultura de Massa. Mas tenho passado por surpresas de tontear. Há cerca de vinte dias encontrei um jovem amigo, que me dispensa sincera afeição, e ele me informou que estava disposto a pedir demissão do emprego que eu lhe havia conseguido. Com seriedade, eu lhe disse: “Pensa bem, Fulano. Conheço por aí muito engenheiro, advogado, até médico, que anda matando cachorro a grito e não consegue emprego.” E ele me arrasou ironicamente: “Quem mandou eles estudarem? Agora, agüentem...”
Autor: Barbosa Lessa

Gauchismo como alternativa ideológica

Os Estados Unidos da América vem se desenvolvendo crescentemente desde a sua fundação, mas sua hegemonia sobre o planeta terra se deu, de forma indiscutível, a partir do final da segunda guerra mundial. Nesse período aconteceu um grande golpe nas expressões culturais regionais, foi imposto ao mundo uma política homogeneizadora que aniquilou as diferenças regionais. O americanismo passou a controlar os padrões culturais e a impor regras em todo mundo, e quem não se ‘americanizava’ era tachado de atrasado.

A algum tempo vem se discutindo sobre o vigor que ainda tem, ou que ainda terá o poderio norte americano sobre o mundo. Essa é uma análise muito complexa e difícil de estabelecer com precisão. Mas podemos abordar algumas questões atuais que demonstram a dificuldade da hegemonia Norte-Americana se estender por muito tempo.Primeiro vamos definir alguns conceitos. Temos que diferenciar o que é ser forte e o que é ser hegemônico. Um país pode ser forte, mas não ser hegemônico, como é o caso de muitos países da Europa. Ser hegemônico em um mundo em que apenas quatro ou cinco nações são de fato industrializadas, e os outros países são arcaicos, semi-medievais, é mais fácil do que manter a hegemonia quando ocorre uma divisão das fábricas e das riquezas, No momento em que começa a surgir nações emergentes com capacidade industrial considerável então a riqueza, em parte se divide, e isso não é bom para manutenção de um sistema hegemônico, esta hegemonia começa a perder amplitude. A riqueza absoluta pode aumentar muito de uma época para outra, mas isso não importa para a hegemonia, para mantê-la importa a riqueza relativa as outras nações, que deve se manter em uma larga diferença. Para haver hegemonia é necessário que quase toda a riqueza esteja sobre controle de um apenas.

Um outro argumento considerável que corrobora com a nossa tese possui caráter histórico, ou seja, a história é dinâmica, as coisas tendem a não permanecer sempre como são. A conjuntura histórica leva um país a se tornar potencia, mas também o leva a decadência. Se no inicio de sua formação os Estados Unidos tiveram uma série de fatores favoráveis a acumulação de riqueza, hoje a conjuntura histórica coloca fatores que desfavorecem a continuidade da hegemonia. Como exemplo citamos a questão ambiental. A natureza não coopera mais como antes, os recursos já não são tão abundantes, a exploração não pode ser desvairada como outrora. Se antes existiam inúmeros países arcaicos com recursos naturais aparentemente infinitos, hoje muitos desses países também se industrializaram, ou os recursos acabaram. Fatores que encarecem e dificultam a conquista dessas matérias-primas, limitando aquela ‘farra’ antiga de comprar toneladas e mais toneladas de produtos primários a preço de banana e depois vender os produtos industrializados, que só eles tinham, a lucros exorbitantes para o mundo todo. Prova de que hoje se paga um preço alto por algumas matérias-primas essenciais são as campanhas militares bilionárias no oriente médio para conquista do petróleo. Tudo isso ainda piora por causa do aquecimento global que não permite mais a poluição desvairada, sem controle ou cuidado com o meio ambiente. E isso causa uma série de gastos com cuidados ambientais que não se tinha antes, gastos que são proporcionalmente bem menores em sociedades menos industrializadas.

Portanto vimos que muitos fatores apontam para uma dificuldade cada vez maior de manutenção da hegemonia mundial, muitos dos recursos destinados para questões que outrora não eram problemas, poderiam estar sendo utilizado na imposição de valores como foi na ‘guerra fria’, poderia se estar tentando impedir o surgimento de outras potências como a China, por exemplo. Pelo visto essas coisas não estão mais ao alcance do poderio Norte Americano, longe de sensacionalismos, a hegemonia de uma nação não cai do dia para noite, é uma longa construção histórica (neste exato momento as mudanças estão ocorrendo), prova disso é o crescimento do MTG, símbolo da expressão regional no mundo todo.

Na medida em que a hegemonia mundial vai perdendo força, o seu monopólio de idéias e valores também vai diminuindo, e com isso o terreno se torna propício ao surgimento de alternativas às idéias e valores vigentes. E na falta (temporária) de uma grande potência hegemônica, as alternativas regionais ganham fôlego. E no caso do Rio Grande o gauchismo é a alternativa mais viável que se coloca para assumir o papel hoje ocupado por instancias Norte-Americanas. Na falta de uma concorrência forte o gauchismo tende a ganhar um espaço ainda maior do que já ocupa, e por fim conseguir criar no povo a noção de pátria, de civismo, de cidadania que, hoje em dia, está tão fragilizado, carente e ansioso por renovação.

Autor: Celso Garcia, graduando de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). 13-10-07

Cultura Gaúcha e Semana Farroupilha

Autor: Evaldo Muñoz Braz (2006)
Logo começarão as comemorações da Semana Farroupilha, que verdadeiramente tem um caráter simplesmente popular/cultural e imediatamente, alguns de nossos intelectuais riograndenses (normalmente são os mesmos) começarão a por em xeque nossa cultura com abordagens aparentemente politizadas mas que encobrem pensamentos de raiz barroco-colonialistas. Suas abordagens críticas sobre a cultura gaúcha trazem na raiz, a internalização da perspectiva conceitual e interpretativa da elite. Sim, elite, pelo menos tem-se como tal: elite cultural.
Normalmente a cultura gaúcha é criticada, atacada em seu todo. Literatura, poesia, história, relações econômicas, ilações de tradição cultural, comemorações e festividades, produções musicais, etc. Deste fato, pode-se se depreender que o que se visa é atacar o todo, ou seja, a cultura “gaúcha”, seja ela correta ou não. Caso contrário, a crítica atingiria partes desta estrutura, se direcionaria a identificar e corrigir equívocos. O que se vê entretanto, são agressões apaixonadas e veementes, revestidas de informações intelectuais, mas vazias conceitualmente.
(I)
Um exemplo clássico é verem o gaúcho (neste nosso caso, uma representação do homem rural pampeano de antigamente) como um símbolo da oligarquia rural. Ora, o símbolo ícone do gaúcho é o poema Martin Fierro, de José Hernandez. Fierro é pobre, um inadaptado ao novo sistema vigente (implantação das estâncias, apropriação por estas do gado chimarrão e posteriormente, o alambrado) . Para muitos um rebelde. De qualquer maneira, um sem posses.
Mais recentemente, Jayme Caetano Braun (sempre mal analisado) é pleno de payadas críticas e sociais, como a intitulada “Prece”. E “Tropa Amarga” de Luis Menezes, é uma antiga e potente crítica social. Quer dizer, são letras e músicas nada alienadas.
Continuando. Em uma avaliação amostral nossa das músicas/letras nativistas/tradionalistas/gauchescas, identificamos 27% de músicas com intenção de crítica econômico/social. É um número significativo. Estas críticas vão desde o questionamento a distribuição de terras, desemprego, críticas aos desmandos de governos estaduais e federais, etc. O restante se distribui entre musicas e letras românticas, revoluções passadas, outras narrativas históricas, descrições geográficas, atividades “profissionais” (ligadas a lida campeira) e cunho humorístico e incluindo-se nestas últimas e em menor número, as relativas a “peleas” normalmente em bailes.
Seria crucial e bem dentro da metodologia científica que estes intelectuais, antes de elaborarem suas críticas (muitas baseadas preguiçosamente e infinitamente em trabalhos antigos: sempre atribuindo tudo ao Partenon Literário), abordassem verdadeiramente nosso patrimônio cultural.

(II)
Um segundo ponto importante trata da crítica ao machismo implícito as comemorações e demais divulgações da cultura gaúcha. Parece que aí há uma confusão com o valor modal “coragem”. Ora, o que qualquer antropólogo pode identificar imediatamente é que está se tratando de valores culturais.
Não de heranças genéticas ou qualquer forma de pretensa superioridade regional. Falamos de cultura como o conjunto dos comportamentos, saberes e saber-fazer característicos de um grupo humano ou de uma sociedade dada, sendo estas atividades adquiridas por um processo de aprendizagem e transmitidas ao conjunto de seus membros (LAPLANTINE, 1988). Como diz o escritor argentino Jorge Luís Borges, o gaúcho tinha “a obrigação da coragem” A “obrigação da coragem” não é (ou era) patrimônio apenas da região pampeana (RS, Uruguay e Argentina), mas de várias regiões da América Latina, como por exemplo no México rural do passado. Érico Veríssimo descreve magistralmente esta questão, quando o filho do Dr. Rodrigo Cambará (O Arquipélago, O Tempo e o Vento), Floriano, não se ajusta mais ao modelo paterno baseado na cultura da coragem (FONSECA BINS, 2005). Também há um personagem gaúcho (campeiro) na saga de Veríssimo, Liroca, que atravessa décadas num combate eterno contra o medo. É um personagem perfeito para explicar a implicação de uma cultura.

Para completar, Borges dá uma lição de antropologia cultural ao narrar o drama temporal de Pedro Damián, no conto A outra Morte (no livro O Aleph): “Em vão me repeti que um homem acossado por um ato de covardia é mais complexo (...) que um homem meramente corajoso. O gaúcho Martin Fierro, pensei, é menos, memorável que Lord Jim ou Razumov. Sim, mas Damián, como gaúcho, tinha obrigação de ser Martin Fierro.”
(III)

Um outro ponto. Muitos intelectuais se acham literalmente em uma cruzada pela “modernização intelectual da província”, como se um tipo de produção (ligada a cultura gaúcha), fosse excludente com o outro, mais urbano, ou como queiram, mais sofisticado. Pior que isto, afirmam que a cultura gaúcha “engessa” as demais. Estranho. Aí parece haver outro grande equívoco, pois não serão as mesmas pessoas que vão produzir as diferentes obras. Existe a escolha. E, além disso, temos excelentes escritores, excelentes filósofos, historiadores. Um cinema bem urbano que se afirma. Excelentes bandas de rock. Bem, se ainda assim não podemos competir culturalmente (como insistem estes intelectuais) com São Paulo, seria de se sugerir que estes intelectuais críticos tirassem do forno suas excelentes e pós-modernas contribuições para ombrearmos com outras províncias. Mas verdadeiramente não acho que um tipo de produção prejudique o outro. Não pode ser esquecido que muitos autores que abordaram a cultura gaúcha (pampeana) tiveram alto nível crítico e alta qualidade literária, tais como Pedro Wayne, Cyro Martins, Ivan de Pedro Martins, Érico Veríssimo, Mario Arregui (Uruguay), Brasil Dubal, Alcy Cheiuche, Sérgio Metz, Tabajara Ruas, etc. Por outro lado, um bom número de músicos gauchescos tem excelente nível musical e de letras. Nei Lisboa disse um dia que gostaria de ver uma ponte entre a musica urbana do Rio Grande e Jayme Caetano Braun.

Também não pode ser esquecido que a Academia (RS) praticamente esqueceu a “cultura guasca” (interessante que mais de 1500 estudantes universitários no Rio Grande do Sul participam como ginetes em rodeios gaúchos).
(IV)
E nós, qual a nossa relação com o gaúcho do campo do passado ou de agora? Ora, três décadas atrás, 50% da população era do campo. Difícil alguém metropolitano “puro”. Luciana Hartmann (2004) enfatiza esta passagem de valores em um estupendo trabalho sobre a fronteira. Quase todos os rio-grandenses, temos um ou outro parente originário de zona rural. Utilizamos, sem nos percebermos, de várias expressões derivadas da lida campeira. O gaúcho, quando surge com este nome, é apenas um símbolo clímax, mas na verdade desde 1600, homens de bota de garrão de potro, poncho e a cavalo andam pelos pampas. Criaram palavras (expressões) ou as adaptaram, criaram danças ou as adaptaram, criaram equipamentos como o laço, ou os adaptaram, tiveram mulheres (e estas estão incluídas neste caudal cultural), tiveram filhos, domaram, carretearam, tropearam, influíram ou se deixaram influenciar pelos pequenos povoados. Foram para a guerra, foram bucha de canhão para construção de países, lutaram, roubaram, foram roubados, mataram, morreram, tiveram medo, tiveram coragem, criaram um povo, passaram todas as agruras e em algum momento foram felizes em uma pulperia, num repente, ou com uma china. Criaram uma cultura. Não se tratava de um tipo estanque, o gaúcho, entendam por favor, isto é simbólico, mas de comunidades inteiras em plena dinâmica. Mulheres, homens, crianças, falando a mesma linguagem. Gostando dos mesmos alimentos. Nomeando os objetos e fatos cotidianos da mesma maneira. Bem, esta cultura, estas palavras, este modus vivendi, para o bem ou para o mal, produtos e subprodutos de tudo isto, chegaram até nós. Não inventamos esta relação. Ela esta em nossa pele.
(V)
A última questão é a comemoração em si da Revolução Farroupilha. Tão criticada. Bem eu penso com relação a comemoração que trata-se de uma ato, uma intenção de comemorar um modo ideal de agir. Rebeldia outra vez. Mostrar descontentamento, mostrar a capacidade de dizer que se pode ficar descontente com os governos. É uma festa popular. Na época tinha vários contextos entre os quais, ninguém pode negar, a implantação da república no Brasil, a abolição da escravatura, mudar as condições econômicas e sociais da região (escolas, pontes, impostos, etc). Se havia em alguém, camuflado, intenções menos nobres, não é isso que vamos comemorar. Se não foi popular, precisou de apoio popular. Vamos comemorar a capacidade de se opor a alguém mais forte. Vamos mostrar isto pra os jovens.
Finalizando, Rousseau, destoante da europeização etnocêntrica em marcha no século Dezoito, , previu:“(...) reina entre nossos costumes uma uniformidade desprezível e enganosa e parece que todos os espíritos se fundiram num mesmo molde: (...) incessantemente seguem-se os usos (moda) e não o próprio gênio (caráter pessoal). Não se ousa mais parecer tal como se é, e , sob tal coerção perpétua,...” o rebanho agora, querem nossos intelectuais, tornar-se global.
Deixem as crianças, jovens e velhos comemorarem nosso gauchismo, nativismo, campeirismo ou como quiserem chamar. Amamos a planície e os cavalos.
Sobre o autor: Evaldo Muñoz Braz é pesquisador sobre a cultura gaúcha. Autor de Manifesto Gaúcho e Retratos do Gaúcho Antigo, a gênese de uma cultura.
Origem: Enviado pelo autor

Proposta do Blogue

Normalmente quando se fala em gauchismo logo se pensa em temas artísticos e campeiros, no entanto, gauchismo compreende isso e muito mais. O debate, para ser completo, deve atingir temas como ideologia gauchista, invasão cultural, globalização, contexto mundial, pacto federativo, economia, educação, enfim, tudo aquilo que compreende a construção de um projeto de Estado para o Rio Grande. Um projeto muito mais ambicioso que a sina provinciana, mas que vislumbre uma autonomia ideológica e administrativa para os gaúchos.Sendo assim a proposta do "Adaga e Lança" é contribuir para a construção e divulgação de um gauchismo científico, propondo artigos e reunindo textos, interessantes a temática, nas áreas da sociologia, política e antropologia, bem como servir de canal de pesquisa para os interessados no assunto.

Contexto mundial e o meio ambiente



É impossivel negar que a questão ambiental é um dos grandes fatores causadores das modificações do contexto mundial das nações no século XXI. o planeta não é o mesmo e as relações que se dão nele também não.
Primeiramente porque os recursos naturais já não são abastados como outrora, se no inicio do século era possível comprar matéria prima, aparentemente infinita, a preço de banana, dos países subdesenvolvidos, hoje em dia nem mesmo essas regiões possuem matéria em quantia, a dificuldade é maior para extração dos recursos e o custo se torna alto.
Além da escassez de matéria prima, no século XXI nenhuma nação pode se dar ao luxo de poluir desvairadamente o meio ambiente, mas ao contrário tem que gastar boa parte de seus lucros em medidas que diminuem a poluição das fábricas e moderem a devastação causada pela extração de recursos.Esses fatores somados se tornam obstáculos ao crescimento absurdo visto nos séculos XIX e XX, uma vez que acabam por colocar regras a extração e produção industrial. O resultado disso é menos dinheiro sobrando para imposição/construção da hegemonia no globo, é menos dinheiro para imposição ou manutenção da ideologia nacional sobre as outras nações.

Bush não quer saber nada de acordos climáticos

O Presidente dos Estados Unidos George W. Bush disse à agência de notícias britânica ITV que será negativo diante de qualquer acordo em matéria climática que seja discutido nesta semana, na Cúpula do Grupo dos 8 (G-8).
Bush disse que se os Estados Unidos tivessem ratificado o acordo de Kioto sobre mudança climática em 1997, isso teria significado a “destruição” da economia estadunidense. “Se isto é como Kioto, a resposta é não”, disse Bush.
Kioto é um acordo legalmente vinculante orientado a reduzir as emissões de carbono, considerada umas das principais responsáveis pelo aumento do aquecimento global. Os líderes do G-8 – Inglaterra, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Rússia e os Estados Unidos– se reunirão em Gleneagles, Escócia, nesta quarta-feira, iniciando a cúpula de três días de duração.
Bush disse que pretende pressionar pela introdução de novas tecnologías, como forma de atacar a problemática da mudança climática. Disse que a mudança climática é “um assunto com o que deve-se lidar”, afirmando que pode-se culpar a atividade humana, mas só até certo ponto. O presidente norte-americano espera que os outros líderes do G-8 estejam “além do debate de Kioto” e considerem estas novas tecnologias.
Assim, Bush disse que os Estados Unidos estão investindo no desenvolvimento de técnicas e energias “limpas”, como sequestro de carbono em poços subterrâneos, os veiculos movidos a hidrogênio e as estações energéticas com emissões zero.
O Presidente francês, Jacques Chirac, afirmou que espera chegar a um acordo em matéria de mudança climática, ainda que o Ministro de Meio Ambiente da Alemanha, Juergen Trittin, afirmou que é “muito cético no que diz respeito à vontade dos Estados Unidos de mudarem sua posição”.O Senador John McCain, um dos principais críticos de Bush em matéria de aquecimento global, afirmou que a abordagem do tema feita por Bush é “pouco feliz”.
Sobre a luta contra a pobreza na África, Bush indicou que estava pronto para abandonar os subsídios agrícolas aos produtores de seu país, mas somente se a União Européia deixar de lado suas Políticas Agrícolas Comuns.Os comentários de Bush sobre colocar os interesses dos Estados Unidos por cima das ações destinadas a atacar a mudança climática têm sido fortemente rejeitados pela Amigos da Terra Internacional. O grupo ambientalista exige dos líderes do G-8 que isolem à administração Bush em suas conversações desta semana.
Tony Juniper, vice-presidente da Amigos da Tierra Internacional, disse que “as políticas da administração Bush em matéria de mudança climática são curtas, negligentes e imorais. O Presidente garante que não aceitará objetivos de redução de contaminação porque deseja proteger a economia estadunidense, mas suas ações provocarão danos econômicos de grande escala, que também afetarão os Estados Unidos. A agenda Bush está claramente conduzida por interesses disfarçados, incluindo as companhias que vêem o vício norte-americano pelo petróleo como uma licença para imprimir dinheiro. Os outros líderes do G-8 devem isolar o Presidente Bush e encontrar uma causa em comum com aqueles países que vêem a necessidade de tomar ações urgentes, incluindo China e a Índia. Um día, os Estados Unidos se somarão, mas enquanto isso, aqueles países que visualizam a ameaça devem avançar”.


Origem: pagina da radio Mundo Real
(www.radiomundoreal.fm)

Metas do Protocolo de Kyoto serão ignoradas sem ajuda dos EUA

da Reuters, em Nova Déli
O mundo pode não cumprir as metas de corte na emissão de gases do efeito estufa acertadas em um acordo de 1997 se os Estados Unidos, maior poluidor do planeta, não reduzirem as emissões em seu território, afirmou hoje uma autoridade da Organização das Nações Unidas (ONU).

"Se olharmos para as políticas atuais adotadas pelos EUA, é improvável que as metas de (Protocolo de) Kyoto sejam cumpridas", disse Joke Waller-Hunter, secretária-executiva do secretariado da ONU para mudanças no clima.

O Protocolo de Kyoto, assinado em 1997, pretende reduzir até 2012 em 5,2% a emissão de gases que provocam o efeito estufa no mundo desenvolvido, em relação aos níveis registrados em 1990.

Mas os EUA, os maiores poluidores do planeta, recusaram-se a ratificar o acordo, criticado pela superpotência por não obrigar os países em desenvolvimento a adotarem metas para o corte na emissão.
O país também afirma que medidas nesse sentido seriam prejudiciais à economia norte-americana.

Waller-Hunter, que está em Nova Déli (Índia) para um encontro de dez dias sobre as mudanças no clima, também disse que nem todos os países signatários do acordo caminhavam rumo ao cumprimento das novas metas de emissão assumidas.

Segundo a autoridade, era fundamental manter as portas abertas para os EUA, a serem incluídos no acordo futuramente.
Para entrar em vigor, o Protocolo de Kyoto precisa ser adotado por países que respondam por ao menos 55% das emissões de gases do efeito estufa verificadas em 1990.

Sem os EUA, o pacto naufragará caso a Rússia desista dele. Mas o governo russo deu apoio ao tratado e afirma que o ratificará neste ano, o que garantiria sua validade.
Origem: Folha online 2002

O Protocolo de Kyoto e a terceira etapa da “ecodiplomacia”

178 a 1. Esse foi o placar da conferência sobre mudanças climáticas realizada em Bonn (Alemanha), no final de julho. O único Estado que se recusou a firmar a versão revisada do Protocolo de Kyoto foi os Estados Unidos.
Do ponto de vista diplomático, o placar arrasador expressa a vitória alcançada pelos Estados europeus, que souberam atrair o Japão, e o isolamento, estranho e preocupante, dos Estados Unidos. A adesão européia e japonesa é suficiente para conferir força legal ao Protocolo de Kyoto. A “ecodiplomacia” ingressa, definitivamente, na sua terceira etapa, marcada pelo estabelecimento de regras compulsórias e pelo esgotamento da política de consenso retórico vigente desde a Conferência de Estocolmo, em 1972.
A primeira etapa da “ecodiplomacia” transcorreu sob o signo das idéias do Clube de Roma, que continuam a fundamentar as concepções da maior parte das organizações ambientalistas. O Clube de Roma nasceu em 1968, congregando cientistas, economistas e altos funcionários governamentais, com a finalidade de interpretar o que foi denominado, sob uma perspectiva ecológica, “sistema global”.
O arcabouço teórico do pensamento do Clube de Roma reside na idéia de que o planeta é um sistema finito de recursos, submetido às pressões do crescimento exponencial da população e da produção econômica. As suas conclusões apontavam o horizonte do colapso do sistema. As suas propostas organizavam-se em torno da noção de um gerenciamento global da demografia e da economia, a fim de alcançar um estado de equilíbrio dinâmico. Severas medidas de controle da natalidade e mudanças radicais nos modelos produtivos, com ênfase numa “economia de serviços”, eram as recomendações centrais da nova escola de pensamento ecológico.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, ocorreu sob a égide dessas concepções e produziu declarações diplomáticas genéricas. O seu resultado mais efetivo foi a criação do novo campo da política internacional – a “ecodiplomacia”.
A segunda etapa da “ecodiplomacia” teve como ponto alto a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no rio de Janeiro, em 1992. A ECO-92 vinculou meio ambiente e desenvolvimento, politizando definitivamente o debate. Dela emergiu o conceito de desenvolvimento sustentável, expressão de estratégias econômicas destinadas a promover o crescimento da riqueza e a melhoria das condições de vida através de modelos capazes de evitar a degradação ambiental e a exaustão dos recursos naturais.
Contudo, sobretudo, a ECO-92 rejeitou a noção de que a defesa do meio ambiente pudesse conduzir à imposição de limites para o crescimento econômico dos países em desenvolvimento. Os tratados que emergiram da conferência identificam nos padrões de produção e consumo dos países desenvolvidos as principais fontes de poluição ambiental. O tratamento do tema do aquecimento global sintetizou um método: a Convenção do Clima definiu metas de emissões para os países desenvolvidos, mas não para os países em desenvolvimento.
As negociações para a Convenção do Clima foram marcadas pela resistência dos Estados Unidos à fixação de limites compulsórios para emissões de gases de estufa. No fim, os países desenvolvidos comprometeram-se a congelar, até o ano 2000, as emissões de CO2 nos níveis registrados em 1990. Não foram fixados limites nacionais compulsórios e o compromisso unilateral não se revestiu de valor jurídico. Esse padrão caracterizou a ECO-92: os tratados refletiram consensos retóricos sobre princípios gerais, sustentados pela ausência de obrigações precisas ou compromissos compulsórios.
O Protocolo de Kyoto, firmado em dezembro de 1997 e anexado à Convenção do Clima, inaugurou a terceira etapa da “ecodiplomacia”. Na ocasião, fixou-se o compromisso compulsório de redução de 5% nos níveis de emissões de 1990, a ser atingida entre 2008 e 2012. Também criou-se um sistema de comércio de créditos de emissões entre os países, de modo a conferir flexibilidade ao tratado e reduzir os custos do ajuste das economias nacionais.
Estados Unidos versus União Européia
A administração de George Bush já revelou, em várias ocasiões, a sua aversão ao multilateralismo e, em particular, às instituições e tratados internacionais que limitam o espectro de opções de política nacional dos Estados Unidos. A ruptura de Washington com o Protocolo de Kyoto, qualificado como “fundamentalmente equivocado” por Bush já durante a campanha eleitoral, sinalizou a tendência unilateralista da nova administração.
A reação européia consistiu em assumir a liderança de frenéticas negociações destinadas a salvar o Protocolo. Os europeus jogaram pesado. Para conseguir o apoio indispensável do Japão, propuseram a adoção de uma noção extremamente abrangente de “sumidouros de gases de estufa”: assim, as florestas preservadas funcionam como pretextos para vastos descontos nos tetos de emissões.
Por que os europeus empenharam-se a fundo em salvar o Protocolo, isolando os Estados Unidos e impondo constrangedora derrota diplomática à administração Bush? Há uma resposta óbvia: tratava-se de punir o unilateralismo e afirmar a independência européia no sistema internacional. Mas isso é apenas uma dimensão das motivações européias, e talvez não seja a mais interessante.
O aquecimento global, ao que tudo indica, é um desafio sério. Segundo as projeções médias atuais do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a média térmica global tende a aumentar em 2,10C até 2100, em virtude essencialmente da interferência humana. Contudo, de acordo com um modelo de Tom Wigley, um dos principais autores dos relatórios do IPCC, a aplicação do Protocolo de Kyoto teria apenas o poder de reduzir para 1,90C o aumento da média térmica global. E isso na hipótese, hoje bastante improvável, de que os Estados Unidos aderissem ao tratado.O Protocolo de Kyoto não tem o poder de “salvar o planeta” – que, inclusive, não está em perigo – ou assegurar “o futuro da humanidade”, para utilizar as expressões ingênuas e enganosas tão em voga no debate ambiental. Mas o tratado tem o poder de condicionar as políticas industriais nacionais, estimulando a inovação tecnológica na esfera crucial da produção e consumo de energia.
Quando a administração Clinton firmou o tratado, estava se engajando em políticas de inovação tecnológica tendentes a substituir o uso de combustíveis fósseis e promover a eficiência energética. A sinalização fornecida por Kyoto foi compreendida por empresas do setor de energia e montadoras automobilísticas, tanto nos Estados Unidos como na Europa e Japão. Ao lançar a operação de salvamento do Protocolo, os Estados europeus revelaram um compromisso estratégico com essas políticas, que prometem gerar uma onda de inovações e criar vantagens comparativas para as economias capazes de liderar o salto para o padrão energético do futuro.
A administração Bush escolheu, ao que parece, um outro caminho, baseado na manutenção de um padrão energético dependente da queima de combustíveis fósseis. Pior para os Estados Unidos.

Autor: Demétrio Magnoli
Fonte: Revista Pangea

O Desespero do "Tio San"

Quando se fala que o "Tio San" está desesperado, alguns chamam de sensacionalismo, mas estanhamente existe uma resistencia enorme dos Estados Unidos em aderirem a projetos sobre o meio ambiente. são frases do tipo "A questão fundamental é se vamos ou não ter a capacidade de crescer nossa economia e sermos bons com o meio ambiente ao mesmo tempo", pronuciada por Bush em um discurso no Arkansas. veja o artigo abaixo.



Bush classifica Protocolo de Kyoto de "má política"



ROGERS, Estados Unidos (Reuters) - O presidente norte-americano, George W. Bush, disse na segunda-feira que a abordagem de seu governo para enfatizar metas voluntárias para combater as mudanças climáticas está funcionando. Ele também criticou o modelo do Protocolo de Kyoto de estabelecer metas obrigatórias como "má política".
Os comentários de Bush foram o sinal mais recente de sua oposição para reduções obrigatórias das emissões de gases do efeito estufa continua firme, mesmo com seus esforços para mostrar maior engajamento no debate global sobre mudança climática."A questão fundamental é se vamos ou não ter a capacidade de crescer nossa economia e sermos bons com o meio ambiente ao mesmo tempo", disse ele durante sessão de perguntas e respostas após discursar sobre o orçamento no Arkansas."Estou interessado em boa política. Kyoto, eu pensei, era má política", disse.A crítica contra o Protocolo de Kyoto, assinado em 1997, veio dias depois do ex-vice-presidente norte-americano Al Gore e um painel da Organização das Nações Unidas sobre a mudança climática ganharem o Prêmio Nobel da Paz pelo seu trabalho de conscientização sobre a mudança climática.A premiação para Gore, que ajudou a negociar Kyoto, gerou especulações sobre a possibilidade de novas pressões para que Bush mude sua posição sobre o aquecimento global e aceite as metas obrigatórias que muitos países europeus vêem como necessárias para combater o problema.
Autor: Caren Bohan

Origem: Yahoo notícias

O Sul é uma Nação

Comentário
Gostariamos de esclarecer que a questão separatista sempre é algo delicado e polêmico de se tratar. A opinião do blogue sobre o assunto encontra-se no artigo "A questão separatista". publicamos artigos dessa temática não por ser a favor ou contra aquilo que esta escrito, mas por serem estudos sociológicos e políticos muitas vezes bem fundamentados e por consequencia válidos para proposta do blogue. por isso os textos que forem considerados coerentes serão publicados.
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A fim de evitar-se confusões conceptuais, prudente é recordar antes que o Estado (ou País) distingue-se da Nação por ser o primeiro uma realidade jurídica, ao passo que a segunda é uma realidade psicossociológica. São realidades diferentes e inconfundíveis. Por outro lado, enquanto o conceito de Nação é subjetivo, o Estado é objetivo. Essa diferenciação é fundamental na tese em curso porque não nega a qualidade de Estado à República Federativa do Brasil, porém a sua qualidade de Nação Única.
O conceito de Estado não foi muito claro na antigüidade. Começou com a Polis, na Grécia, e a Civitas, em Roma. Mas deve-se a Maquiavel, principal artífice da ciência política moderna, a introdução desta expressão na literatura científica.
Todavia, não há ainda uma definição de Estado que seja aceita sem restrições. As definições encontradas refletem pontos-de-vista de cada autor e doutrina. Neste momento, essa polêmica não tem grande importância, porquanto a compreensão de Estado está com fortes raízes na consciência de todos, independentemente das definições já colocadas em papel. Pedindo emprestada a definição escolhida por Groppali, o Estado “é a pessoa jurídica soberana, constituída de um povo organizado sobre um território sob o comando de um poder supremo, para fins de defesa, ordem, bem-estar e progresso social” Os elementos constitutivos do Estado são população, território e governo.
Conseqüência de qualquer definição que for escolhida, o Estado pode constituir-se por um ou mais povos e nações. No primeiro caso, surge o Estado nacional (um só povo e nação); no segundo, aparece o Estado Plurinacional (mais de um povo e nação). Também pode a nação constituir-se em mais de um Estado.
Ora, é evidente que no Estado Nacional não haveria grande sentido falar-se em fracionamento ou desmembramento do Estado para formação de novo(s) Estado(s). Entretanto, a situação é diversa quando o Estado é plurinacional, quando a população do Estado é composta por mais de um povo ou nação, destituído de coesão interna e muitas vezes alvo de disputas internas e desarmonias das mais variadas. Sensível a essas ocorrências, o Direito Internacional Público, dando sua contribuição para a paz no mundo do pós-guerra, vem prestigiando sobre todas as outras a doutrina das nacionalidades, segundo a qual deve ser reconhecido a cada grupo nacional homogêneo o direito de constituir-se em Estado soberano.
Como observou Del Vecchio, o Estado que não corresponde a uma nação é um Estado imperfeito. De qualquer modo o direito internacional moderno consagra o princípio segundo o qual “cada nação deve constituir um Estado próprio”. Desta forma, várias questões precisam ser esclarecidas: o Brasil consiste num Estado Nacional ou Estado Plurinacional? O Estado deve fazer a Nação ou a Nação deve fazer o Estado? O Estado deve ser fim ou meio da sociedade?
Para Hegel o Estado é a “suprema” encarnação das idéias. Já na teoria fascista, a Nação não faz o Estado, mas este é que faz a Nação. Em nome desta doutrina a Abissínia e o povo etíope foram anexados como novos integrantes da “Nação Italiana” de Mussolini.
Ora, se cada Nação tem o direito de constituir-se em Estado Soberano; se o Brasil é um Estado Plurinacional; se a Constituição fixa já no seu primeiro artigo que o Brasil é formado pela “união indissolúvel” dos Estados (membros); se a cláusula pétrea do artigo 60, § 4º, I, da Constituição Federal, proíbe emenda constitucional tendente a abolir a “forma Federativa do Estado”; conclui-se que as correntes que prendem o Sul, e talvez outras Regiões, são cláusulas nitidamente fascistas, autorizando a via da desobediência civil, em nome do direito das gentes, do direito subjetivo público e do direito natural, que hierarquicamente estão acima de quaisquer outras leis do ordenamento positivo, tudo somado ao suporte de todas as doutrinas que justificam o nascimento de novos Estados Soberanos. Essa insurreição, justa por natureza, tem agasalho na própria pregação de Santo Agostinho.
No que se liga ao problema finalístico do Estado propriamente dito, duas correntes se digladiam. A primeira quer o Estado um fim em si mesmo, sendo a sociedade o seu meio, assim, desta forma, flagrantemente contraposta à doutrina democrática. Essa doutrina esta intimamente relacionada aos princípios fascistas, onde o Estado faz a nação, e não o contrário. Infelizmente essa doutrina de fundo fascista foi incorporada pelo Brasil, tanto pelos regimes militares quanto pelos civis. Por ela tudo se justifica em nome do país, mesmo que se trate da subjugação de povos diferentes. A segunda doutrina prega que o Estado, democraticamente considerado, não passa de uma instituição nacional, um meio para a realização da vontade coletiva, tendo por único fim a própria sociedade. Segundo ela, a Nação é de direito natural, enquanto o Estado resume-se em obra da vontade humana. Assim, o Estado não tem autoridade nem finalidade em si mesmo. Deve ele ser a soma dos ideais da comunhão que deveria representar.
O próximo passo é provar que o Sul já é uma Nação, com um povo próprio. Essa missão competiria aos respectivos povos das outras regiões, no que lhes pertine e se assim entenderem. Abrindo a discussão, primeiro há que se conceituar ao certo o que é uma Nação. Depois, se o Sul enquadra-se, ou não, nessa conceituação.No que a Nação distingue-se de Povo?
Alguns autores afirmam que Nação e Povo se equivalem. Dentre eles Maggiori e Battaglia, com tendências idealistas. Mas esta afirmação não é aceita pela maioria. Na verdade são conceitos semelhantes. Porém Nação é de maior compreensão que Povo, porque tem natureza político-sociológica.
Assim, é preciso delimitar muito bem os conceitos de Nação e Povo estabelecidos pelos autores. Apesar de algumas divergências, no cerne da questão a convergência é a regra. M. Hauriou define a Nação como “uma população fixada no solo, na qual um laço de parentesco espiritual desenvolve o pensamento da unidade de agrupamento” (Précis de Droit Constitucionel, 1923, p. 25). Por seu turno Jellinek caracteriza a nação como “um grande número de homens que adquirem a consciência de que existe entre eles um conjunto de elementos comuns de civilização, e que esses elementos lhes são próprios; têm, ainda, consciência de um mesmo passado histórico e de um destino à parte, distinto dos outros agrupamentos e é nisto que consiste uma nação”. Por aqui, se vê que a nação não tem uma realidade exterior e objetiva. Entra mais propriamente na categoria dessas grandes manifestações sociais que não se pode determinar com o auxilio de instrumentos e processos exteriores de apreciação. O conceito de nação, essencialmente subjetivo, é resultado de um estado de consciência ( L. Etat moderne et son droit, p. 207). Para Mancini, “a Nação é uma sociedade natural de homens com unidade de território, de costumes e de língua, afeitos a uma vida em comum e com uma consciência social”.
Consoante definição empregada pela Organização das Nações e Povos Não Representados (UNPO), com sede em Haya (Holanda), que possui como principal objetivo a representação de povos e nações sem cadeira na Organização das Nações Unidas: “uma nação ou povo significa um grupo de seres humanos que têm vontade de ser identificados, como uma nação e povo, e estão unidos por uma herança comum que seja de caráter histórico, racial, étnico, lingüístico, cultural, religioso e territorial”. Essa definição está consagrada no artigo 6º, alínea “a”, do seu Estatuto. Entre todas certamente é a conceituação mais exigente para Nação e Povo.
Enquadrar-se-ia o Povo do Sul nesses exigentes requisitos para ser considerado Povo e Nação? A resposta é uma afirmativa contundente: sim.Assim, “decompondo” a minuciosa definição dada pelo UNPO:(a) - “Uma Nação e um Povo significa um grupo de seres humanos que têm vontade de ser identificado como uma nação ou povo...” A Nação Sul-Brasileira é constituída por uma população razoável a fim de ser reconhecida como um Povo e Nação: cerca de 25 milhões de habitantes. A vontade desse povo em ser reconhecido como Nação pode ser encontrada no fundo da alma de cada um. Essa verdade é demonstrada com clareza mediante pesquisas idôneas, inclusive de órgãos da imprensa manifestamente contrários a esse reconhecimento.
A revista “Isto É” (nº 1235, de 02 / Jun / 1993), em matéria de “capa”, registra uma pesquisa, pela qual os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina proclamariam já suas independências. Na mesma esteira andou a revista “Amanhã” (nº 60, de abril de 92), cuja pesquisa apontou o desejo de separação unida dos três Estados do Sul, com índice de 60,7%. Na cidade de Turvo (SC) houve uma impressionante unanimidade dos 759 pesquisados, pelo “Sim”. E sabe-se que muitas outras foram feitas, inclusive sob encomenda dos opositores da liberdade e que, obviamente, jamais foram divulgadas. Se foram parar em arquivos secretos ou nos fornos de incineração, é dúvida.A verdade é que a vontade coletiva do “sim” é sentida em todas as raras oportunidades em que a proposta autodeterminista comparece aos meios de comunicação. O retorno pelo “sim” foi tão impressionante que começou a ficar perigoso. A palavra de ordem da mídia, hoje, é não conceder mais qualquer espaço para a questão independentista.
Ora, é pressuposto elementar dessas manifestações, expressando o desejo de independência, que por trás delas está um forte sentimento de nacionalidade e da condição de povo. É o subjetivo conduzindo a vontade. Há, sem dúvida, um grupo de seres humanos que “têm vontade de ser identificado como um nação ou povo”. Esse requisito exigido pela UNPO está plenamente satisfeito. Ninguém conseguirá esconder essa vontade;
(b) - “... e estão unidos por uma herança comum que seja de caráter histórico...” A união do povo Sul-Brasileiro em torno de uma herança comum de caráter histórico tem profundas raízes na sua própria história, destacando-se o abandono a que sempre foi relegado o Sul, o que lhe propiciou vida própria, independente das outras regiões. As conseqüências deste abandono foram as insurreições libertárias no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que chegaram, inclusive, a desligarem-se do império brasileiro;
(c) - “... racial...” Nesse aspecto cumpre destacar que, pelos cruzamentos ocorridos em todos os continentes, não existem mais raças puras. Assim, o povo Sul-Brasileiro, como quase todos os demais, é produto de uma mistura que abriga origens das três grandes raças: a caucasóide, a negróide e a mongolóide;
(d) - “... étnico...” A herança comum de caráter étnico também está presente. O grupo humano do Sul possui traços somáticos em comum e uma relativa uniformidade cultural;
(e) - “... lingüístico...” O povo do Sul fala predominantemente o português, ao lado das línguas trazidas pelos imigrantes, incorporando muitos termos indígenas e com forte influência espanhola no extremo Sul;
(f) - “... cultural...” A herança comum de caráter cultural tem fortes raízes na cultura indígena. É bastante homogênea e distingue-se muito de outras regiões brasileiras, notadamente do Nordeste e Norte;
(g) - “... religioso...” A religião predominante é a católica, seguida das protestantes, que coexistem com credos oriundos de praticamente todas as correntes religiosas;
(h) - “... territorial...” A Nação Sulista assenta-se sobre um território contíguo de 576.316 quilômetros quadrados. A conformação territorial teve forte influência nas características do povo. Os limites deste território com o oceano e com outros países, somente ao Norte com o Brasil, também ajudou a formação de uma nacionalidade própria. O clima é sub tropical, diferente das outras regiões brasileiras. As populações indígenas nativas da região eram as únicas capazes de resistir ao frio. Também é diferente a biodiversidade. A natureza dotou este território de rios que têm as suas nascentes ou, no mínimo, grande parte dos seus afluentes, dentro dele próprio. Portanto a água, para consumo e irrigação, também é própria. É uma herança comum de caráter geográfico que reforça a sua condição de Povo e Nação. Essa condição decorre da própria natureza. Desse modo não há como esconder que a própria mãe natureza agiu numa divina cumplicidade com o povo Sul-Brasileiro na sua causa libertária.

Fonte: Sítio do movimento O Sul é o Meu País.
http://www.patria-sulista.org/

O peão que laçou um AVIÃO!



Dia 23 último foi o Dia da Aviação e do Aviador. E essa digna profissão de aviador envolve, no Rio Grande do Sul, uma curiosa e inusitada situação. Ela foi divulgada na coluna Curiosidades, do Jornal Correio Gaúcho, ed. n. 2, da cidade de Santa Maria da Boca do Monte. A história é mais ou menos, assim, deste jeito: “Este causo é verdadeiro e aconteceu lá prás bandas de Santa Maria! No dia 20 de janeiro de 1952, bem no coração do Rio Grande do Sul, mais uma vez o gaúcho deu provas de seu espírito arrojado de pioneirismo. Em pleno aniversário de Criação do Ministério da Aeronáutica, um peão de fazenda resolveu comemorar de outra maneira, laçando as asas do progresso! Foi no interior de Santa Maria, mais propriamente na Fazenda Tronqueiras, em Arroio do Só, que o fato histórico e único marcou a vida de duas pessoas: Irineu Noal e Euclides Guterres. O jovem piloto Irineu Noal, então com uma prática de vinte horas de vôo, naquela tarde decolou para aquele que deveria ter sido apenas mais um vôo local. Ao sobrevoar a Fazenda Tronqueiras, embicou o Paulistinha numa série de razantes sobre a mesma, espantando umas vacas que o peão Euclides acabara de apartar. As passagens sobre a casa grande e a mangueira acabaram por mexer com a índole do peão, que passou a mão no seu treze braças e o arremessou por diversas vezes em direção ao pequeno monomotor, que a cada arremetida passava mais baixo, num verdadeiro desafio ao laçador. E foi ali, senão quando, numa dessas cruzadas o laço cortou o espaço e cerrou a armada grande bem no nariz da aeronave. Estava feito! O motor pipocou algumas vezes, perdendo altura, para depois nivelar e sumir em direção à Santa Maria, levando preso na fuselagem um pedaço de laço gaúcho, treze braças, quatro tentos, couro cru, prova inconteste da habilidade vaqueana de um simples peão de fazenda. Tal fato encontra-se registrado em jornais da época (A Razão, Diário de Notícias, Almanaque do Correio do Povo e até na Time americana, que circulou dia 11 de fevereiro de 1952). A Base Aérea de Santa Maria também mantém em seu acervo vários jornais e revistas da época, relatando a incrível façanha do peão Euclides Guterres, que acabou ficando conhecido como o Rei do Laço. O piloto acabou tendo o seu brevet caçado, e até hoje guarda a hélice do paulistinha com um pedaço do laço. Euclides já é falecido, mas o seu feito o tornou imortal, visto que em tempo algum se repetiu tal proeza no mundo! É mais um feito heróico, que ninguém tira do Rio Grande!”.


De onde virá o grito?

Num texto anterior introduzi o conceito de “Ressentimentos Passivos”. Para relembrar, lá vai um trecho:
“Você também é mais um (ou uma) dos que preenchem seu tempo com ressentimentos passivos? Conhece gente assim? Pois é. O Brasil tem milhões de brasileiros que gastam sua energia distribuindo ressentimentos passivos. Olham o escândalo na televisão e exclamam “que horror”. Sabem do roubo do político e falam “que vergonha”. Vêem a fila de aposentados ao sol e comentam “que absurdo”. Assistem a uma quase pornografia no programa dominical de televisão e dizem “que baixaria”. Assustam-se com os ataques dos criminosos e choram ”que medo”. E pronto! Pois acho que precisamos de uma transição “nestepaíz”. Do ressentimento passivo à participação ativa.”.Pois recentemente estive em Recife e em Porto Alegre, onde pude apreciar atitudes com as quais não estou acostumado, paulista/paulistano que sou. Em Recife, naquele centro antigo, história por todos os lados. A cultura pernambucana explícita nos out-doors, nos eventos, vestimentas, lojas de artesanato, livrarias. Mobilização cultural por todos os lados. Um regionalismo que simplesmente não existe na São Paulo que, sendo de todos, não é de ninguém.
No Rio Grande do Sul, palestrando num evento do Sindirádio, uma surpresa. Abriram com o Hino Nacional. Todos em pé, cantando. Em seguida, o apresentador anunciou o Hino do Estado do Rio Grande do Sul. Fiquei curioso. Como seria o hino? Começa a tocar e, para minha surpresa, todo mundo cantando a letra!
“Como a aurora precursora / do farol da divindade, / foi o vinte de setembro / o precursor da liberdade”Em seguida um casal, sentado do meu lado, prepara um chimarrão. Com garrafa de água quente e tudo. E oferece aos que estão em volta. Durante o evento, a cuia passa de mão em mão, até para mim eles oferecem. E eu fico pasmo. Todos colocando a boca na bomba, mesmo pessoas que não se conhecem. Aquilo cria um espírito de comunidade ao qual eu, paulista, não estou acostumado. Desde que saí de Bauru, nos anos setenta, não sei mais o que é “comunidade”. Fiquei imaginando quem é que sabe cantar o hino de São Paulo. Aliás, você sabia que São Paulo tem hino? Pois é... Foi então que me deu um estalo. Sabe onde é que os “ressentimentos passivos” se transformarão em participação ativa? De onde virá o grito de “basta” contra os escândalos, a corrupção e o deboche que tomaram conta do Brasil? De São Paulo é que não será. Esse grito exige consciência coletiva, algo que há muito não existe em São Paulo. Os paulistas perderam a capacidade de mobilização.Não têm mais interesse por sair às ruas contra a corrupção. São Paulo é um grande campo de refugiados, sem personalidade, sem cultura própria, sem “liga”. Cada um por si e o todo que se dane. E isso é até compreensível numa cidade com 12 milhões de habitantes.
Penso que o grito – quando vier - só poderá partir das comunidades que ainda têm essa “liga”. A mesma que eu vi em Recife e em Porto Alegre. Algo me diz que mais uma vez os gaúchos é que levantarão a bandeira. Ou talvez os Pernambucanos. Que buscarão em suas raízes a indignação que não se encontra mais em São Paulo.Que venham, pois. Com orgulho me juntarei a eles.
Luciano Pires

Sepé Tiaraju e a Identidade Gaúcha

1. Já entre os gregos, a narrativa - e a memória nela transmitida - tinha importância decisiva na formação da identidade humana. Assim, contava-se que em Tebas, uma esfinge desafiava a cidade: “Decifra-me ou devoro-te!” E exigia sacrifícios periódicos de preciosas vidas humanas. O enigma consistia em saber quem seria o animal que anda com quatro pernas pela manhã, com duas ao meio-dia e com três à tarde. Ora, “é o ser humano”, decifrou Édipo, livrando a cidade da sua assombração, ao considerar o arco da aventura humana, decifração de vida ou morte. Pois o Rio Grande do Sul tem duas esfinges: Sepé Tiaraju e o Negrinho do Pastoreio.

2. A identidade gaúcha está marcada pela violência de fronteira, desde antes da demarcação final, dos inícios do século XIX, que não deixou de ser uma demarcação belicosa. É, em conseqüência, uma identidade “fronteiriça”, de “frontes” e “confrontos”, ambiguamente belicosa e hospitaleira ao mesmo tempo. Molda-se à luz de uma relação perigosa de incursões, de conquista e defesa, de vigilância dificultada pela vastidão pampeana, quase uma “terra de fundo”, corredor para bandeirantes e castelhanos. Mesmo depois de sua definição, o Rio Grande do Sul (RS) permanece com uma tendência obsessiva, repetitiva, para um dualismo resolvido na “degola”. Ximangos e maragatos são figuras desse dualismo repetitivo, que vem de antes ainda, da guerra farroupilha e se repete mimeticamente até nossos dias, em formas mais sofisticadas de degola “da outra metade”. Nas batalhas políticas, por exemplo, em que estamos sempre belicosamente divididos e querendo o pescoço do adversário. O que seria do gaúcho sem um inimigo, sem uma peleia, sem um confronto?

3. Uma real pacificação do Rio Grande do Sul, precisa começar com a reabertura de um doloroso dossiê de suas origens, um dossiê escondido do ponto de vista político, acadêmico e religioso. A imposição também belicosa do positivismo, um facho de iluminismo na capital, mas com degola no campo afora, permitiu à nossa política de fronteira, ser tanto o vanguardismo como o berço da ditadura a ferro e fogo (Décio Freitas). O positivismo acadêmico varreu da história e da formação da identidade gaúcha, tudo o que se conta na memória popular cabocla e negra, remanescente do extravio indígena e da escravidão africana em nossas terras. Lendas, mitos, “causos”, essas formas de resistência da memória dos dominados e envergonhados pela cultura oficial, foram desclassificadas como incapazes de servirem de documentação ou ao menos, como indícios de verdades históricas. O catolicismo romanizado, por sua vez, ergueu a catedral de Porto Alegre sobre cabeças de figuras indígenas esmagadas – outra forma da degola - como vitória sobre a superstição.

4. A alma e a mística dos povos nativos e dos povos afro-descendentes se refugiaram e se sintomatizaram no “causo”, na pageação, na literatura. A identidade gaúcha foi sendo embretada para a estância, ganhando nos CTGs, uma forma de estetização ritual e controle da violência do dualismo perigoso, que insiste em perseguir e criar curtos-circuitos no campo e na cidade. A ambigüidade dos CTGs, criados num esforço de terapia da identidade, que reproduz esteticamente, ritualmente, e ao mesmo tempo, controla a violência gaúcha, parece não dar mais conta das novas disseminações de violência e de vontade de degola, como solução radical. Estamos cada vez mais “pisando no pala” e cada vez mais “o revólver fala” (Teixeirinha).

5. É necessário um remédio homeopático, buscando nas fontes do veneno, o próprio remédio. Não é, propriamente, nas lendas e nos causos, nas figuras míticas e nos gemidos, que ainda se escutariam nas regiões das charqueadas ou das Missões, que estão as assombrações a nos gelar a espinha. Estão nos rostos indiáticos, mestiços e caboclos, que jazem vivos como esfinges nas periferias, nas vilas e nos ônibus da área metropolitana, arranchados por todo canto, nas periferias das grandes e das pequenas cidades, identidades desgarradas. Esses rostos e esses corpos não são visíveis para a aristocracia acadêmica e política, a cavalo com vidro fumê, que não circula pelas periferias ou de ônibus de vila.

6. Se culturalmente e socialmente, em nosso meio “quem passa de branco, negro é”, então o mesmo se pode dizer dos descendentes indígenas mestiçados e acaboclados: há multidões ao nosso redor. Desmemoriadas por um lado, mas continuando a contar suas narrativas por outro, sem mesmo saber bem por quê. Os vazios de suas memórias e a baixa auto-estima de seus rostos e sotaques, são ingredientes perigosos para a violência indomada do gaúcho, mas suas narrativas e sabedoria, como bem percebeu Simões Lopes, são a resistência de uma anterioridade a todo dualismo fronteiriço, a possibilidade de uma hospitalidade que tem o segredo da remissão e da reconciliação – as vítimas sobreviventes que têm o poder de resgatar os vencedores manchados de sangue. Contanto que tenham chance de resgatar sua auto-estima, no reconhecimento de sua dignidade. O reconhecimento e a reconciliação real e completa com os vivos, comporta, no entanto, que não se deixe de fora os que foram mortos. É o caso de Sepé Tiaraju.

7. Se o corregedor da cidade missioneira de São Miguel fosse apenas o mito trágico e brilhante em que se tornou, se fosse apenas uma lenda com sucesso - como o Negrinho do Pastoreio - se São Sepé estivesse mais para são Jorge do que para Santo Antônio, ainda assim, e exatamente assim – como mito fundante e significante – teria uma importância histórica e hagiográfica decisiva, na formação da identidade gaúcha. Certamente ainda incômoda, como um São Luiz IX e uma Santa Joana D’Arc para a identidade da França moderna. Sepé está para a história do Rio Grande do Sul, como a figura histórica de Jesus para a literatura do Novo Testamento e para a história do cristianismo. O próprio Negrinho do Pastoreio: há nele o custo das vidas inocentes de muitos negrinhos de carne e osso pelo Rio Grande saladeiro. Montado no cavalo escatológico do Negrinho do Pastoreio ou no cavalo encilhado de Sepé Tiaraju, estão os descendentes todos de africanos triturados pelas charqueadas e de nativos derrubados pelas coroas ibéricas. Na vida real, continuam gaúchos peões e usuários de coletivos, de periferia e beira de estrada, que se reúnem em “gauchada” ou “indiada”, em torno de algum “índio velho” ou ainda melhor, “qüera velho”; são todos indícios de uma identidade mais antiga, mais ancestral e mais enraizada, do que a identidade gaúcha forjada mais ou menos oficialmente, no entrevero dos confrontos de interesses, resolvidos na degola e na necessidade de domar pela estética e pelo ritual, a violência e as suas assombrações.

8. O Negrinho do Pastoreio, narrativa recolhida e consagrada por Simões Lopes, é a história cifrada dos que não têm os meios oficiais de documentar a sua história, situada no Rio Grande do Sul anterior às charqueadas, às estâncias e às cercas, no tempo do gado solto, chimarrão, jesuítico. Faz, portanto, como o juiz da carreira em cancha reta da história, um índio velho, um enlace com a história das Missões pelo caminho da narrativa popular. O gado missioneiro, abundante e disperso pelo trágico fim das cidades guaranis, tornou-se, com o agro-negócio, o fio dourado da economia gaúcha, passando pelas charqueadas com trabalho escravo e pela indústria coureiro-calçadista. Com a entrada de novas migrações européias, o Rio Grande do Sul se divide também economicamente em duas metades. As migrações foram introduzidas dentro de projetos de ocupação e desenvolvimento do espaço, sem nenhuma consideração ou até contra a população nativa derrotada, espantada e dispersa, tornada “índio do mato”, “bugre”, que se evita como a árvore braba, aquela que agride pela sua inoculação de substância alérgica.

9. Antes do dualismo trágico de fronteira, a marcar a identidade gaúcha, está Sepé, o índio nascido e criado em cidade missioneira, no espaço de um encontro civilizatório que, por todos os testemunhos deixados, e apesar das lendas negras que logicamente se criaram ao seu redor, foi um encontro muito criativo dentro do contexto e das suas possibilidades. Nas cartas que os chefes guaranis escreveram ao governador de Buenos Aires, em resposta ao mandato do rei de Espanha de se retirarem todos os Sete Povos para a banda ocidental do Uruguai, eles deixam claro que não foram conquistados e submetidos à força. Eles mesmos chamaram os padres e aceitaram livremente a vassalagem, porém dentro de certos termos, pois não podiam aceitar, com o Tratado de Madri, sua própria destruição. Estas cartas,[1] como outros documentos indiretos,[2] revelam uma grandeza de alma, uma dignidade e uma nobreza incomparavelmente acima dos dois lados que os espremiam, espanhóis e portugueses. Mesmo em termos de linguagem e argumentos cristãos, além de humanitários e políticos.

10. Os índios missioneiros, no entanto, estavam entre o rochedo e o mar. A lógica dos impérios ibéricos, lógica expansionista e mercantilista, não poderia suportar outra forma de existência com sucesso. Como interpretou Rodolfo Kusch, filósofo argentino, trata-se aqui, mais a fundo, do trágico conflito entre a hegemonia do ser sobre o estar: o ser se realiza no desdobramento através do tempo e do espaço, identidade conquistando as diferenças, para reunir tudo em si e aumentar o seu poder de ser, e assim sucessivamente. Por isso “a verdade do ser é a guerra” (Heráclito). Ora, os nativos viviam - e continuam a resistir popularmente - na lógica do “estar”, habitando ecologicamente uma terra em que, mais do que serem eles os proprietários da terra, era ela a proprietária deles, a “mãe terra”. Por isso, nos arrazoados de Santa Tecla, diante dos demarcadores, como nas cartas dirigidas ao governador de Buenos Aires, está o discurso guarani sobre a terra, que só a Deus, o Criador, pertence, dada a São Miguel no presente missioneiro, para que os nativos nela habitassem. A memória se resumiu, como sabemos, no incômodo grito profético: “Esta terra tem dono!”. Na lógica indígena – é importante sublinhar – não são eles os donos da terra, mas Aquele que as deu, para haabitarem, para criarem seus filhos, enterrarem seus mortos, plantarem seus ervais e criarem seus animais. Precisam da terra não para explorar, mas para habitar com simplicidade, e por isso precisam mais terra do que os que a transformam em matéria produtiva e negócio. Na verdade, são os guardiões naturais da ecologia, ainda não totalmente contaminados pelo ser agressivo do ocidente.

11. Perdida dramaticamente, a ferro e fogo, a civilização nascida do encontro da espiritualidade barroca dos jesuítas com a mística e a sensibilidade guarani, com a dispersão em diversas direções e destinos, os índios aprenderam a sobreviver através da adaptação silenciosa, enquanto os kaingangues preferiram recuar soberanamente para as matas, e os outros “infiéis” às coroas e sua religião (charruas, minuanos, mojanes, patos etc.) foram sendo dizimados de diversas maneiras.

12. Hoje, além dos povos testemunhas que, mesmo à beira de estrada, buscam viver em comunidades próprias, conservando a língua e a mística em torno de seus “karaís”, há uma multidão de autênticos descendentes de Sepé Tiaraju nos rostos mestiços, de olhos amendoados, cabeças cobertas por cabelos lisos e pretos, com o enigmático sorriso de um olhar meio envergonhado, de poucas palavras fora de seu círculo, verdadeiras multidões periféricas das cidades gaúchas, que são a esfinge – uma delas, a outra tem cor negra – a desafiar a identidade gaúcha e seus problemas de origem e de violência sistêmica.

13. Evidentemente, a memória de Sepé não poderá ser apenas celebração que se torne álibi para descarrego de consciência. A primeira justiça é o reconhecimento e a efetivação da necessidade de terra e de um mínimo de meios de vida, para os povos guaranis e kaingangues. A sobrevivência deles, digna e feliz, é absolutamente necessária para o futuro da identidade gaúcha tão plural. Mas para eles e para toda a multidão de descendentes de ameríndios gaúchos, é urgente também devolver a dignidade da auto-estima, da visão positiva que dê disposição de perdão e de reconciliação, com as demais descendências vindas e crescidas no espaço gaúcho. Inclusive trazendo seus ancestrais, seus mortos, na comunhão mística de sua religiosidade, para que desapareça de nossas calçadas as suas assombrações e a sua potencial violência, obrigando a nos aprisionarmos em nossas casas com nossos juízos violentos, e para que fiquem seus mortos sobre nossas noites, como a luz brilhante e pura de Sepé, do qual possamos todos nos orgulhar e possamos todos venerar. Ele pode se tornar como um “pai Abraão” para todas as raças que habitam nesse espaço gaúcho. Até lá, continuarão os sacrifícios, as degolas, o medo até das sombras que nos assaltam, e nenhuma descendência ou ascendência terá habitação pacificada numa justa pátria gaúcha para todos.

14. É por isso que, assim como o Movimento Negro lançou o desafio à auto-estima dos afro-descendentes com o slogan “Negro é bonito!”, com base na documentação e nos gestos herdados pelos descendentes índios, no ano de Sepé Tiaraju pode-se proclamar com justiça: “Índio é nobre!”

[1] RABUSKE Arthur, Cartas de Índios Cristãos do Paraguai, Máxime dos Sete Povos, Datadas de 1753. In : Estudos Leopoldenses, Vol. 14, n. 47 (1978)p65-102. O pesquisador utiliza e melhora traduções antigas, com uma introdução situando e avaliando os documentos.[2] Cf, por exemplo, ESCANDON ............. O autor não está interessado diretamente nos índios, mas na defesa da reputação dos jesuítas diante da iminente perseguição. Exatamente por isso, suas notas sobre os índios antes e durante a guerra de 1756 revela de forma desinteressada, até mesmo quando menospreza, a verdade da nobreza e da fé dos índios missioneiros.

Autor: Frei Luís Carlos Susin. (Teólogo)
Fonte: Sítio da CIMI (Conselho Indigenista Missionário) http://www.cimi.org.br/

A Figura do Gaúcho e a Identidade Cultural Latino Americana

Este trabalho tem por objetivo examinar, a partir da análise de reportagens de jornais – Zero Hora e Correio do Povo – publicadas durante as comemorações da Semana Farroupilha, a importância da figura do gaúcho como um dos ícones da identidade sul-rio-grandense, considerando-a uma figura relevante para uma das possíveis figuras representativas da assim chamada identidade latino-americana. A análise considera o papel pedagógico exercido pela mídia no sentido de instituir verdades e produzir subjetividades, ensinando determinadas maneiras de se ser gaúcho.
O referencial teórico da pesquisa está situado no campo dos Estudos Culturais, cujos conceitos chave são justamente cultura, identidade, sistemas de significação e poder, entendendo a cultura como constituidora de todos os aspectos da vida social, e considerando que os processos de significação social, inerentes a ela, cultura, não se dão sem permanentes lutas e tensões.
Desta forma, Silva (2000) observa que “a cultura é um campo de produção de significados no qual os diferentes grupos sociais, situados em posições diferenciais de poder, lutam pela imposição de seus significados à sociedade mais ampla. A cultura é, nesta concepção, um campo contestado de significação. O que está centralmente envolvido nesse jogo é a definição da identidade cultural e social dos diferentes grupos” (p. 133-134).
A partir deste jogo pela imposição de sentidos e de definições das identidades culturais e sociais de determinados grupos, podemos considerar o caráter relacional das identidades, o qual nega qualquer tipo de essência ou característica transcendente. Woodward (2000) enfatiza justamente esta perspectiva não-essencialista das identidades, colocando em xeque a idéia de unicidade e da presença de certas características que se perpetuam através do tempo. Wodak (1999) utiliza o conceito de “identidade múltipla”, esclarecendo que “o termo é designado para descrever o fato de os indivíduos bem como os grupos coletivos tais como as nações serem em muitos aspectos híbridos de identidade, daí ser uma falácia e uma ilusão a idéia de uma identidade ‘pura’ homogênea no nível individual ou coletivo” (p. 16).
Esse aspecto de hibridismo cultural será discutido em três reportagens publicadas nos dias 12 e 18.09.03 (no jornal Correio do Povo) e no dia 15.09.03 (no jornal Zero Hora). Todas elas referem-se ao desfile de 20 de Setembro – data máxima do Rio Grande do Sul, na qual se comemora a Revolução Farroupilha - na cidade de Santana do Livramento. No ano de 2003, o desfile se estendeu até a cidade fronteiriça de Rivera, no Uruguai.
Ainda no que diz respeito ao processo de produção cultural da identidade, acrescento ser este um campo contestado, onde diferentes grupos sociais lutam pela imposição de determinados significados, e não de outros, pois, conforme observa Costa (1998), “ quando alguém ou algo é descrito, explicado, em uma narrativa ou discurso, temos a linguagem produzindo uma ‘realidade’, instituindo algo como existente de tal ou qual forma." (p.42)A Escola e o currículo escolar são espaços onde circulam diversas narrativas sobre grupos culturais, as quais, muitas vezes, privilegiam certas identidades, ao invés de outras, ensinando determinados significados. Silva (1999) afirma que “não é preciso dizer que a educação institucionalizada e o currículo – oficial ou não – estão, por sua vez, no centro do processo de formação de identidade. O currículo, como espaço de significação, está estreitamente vinculado ao processo de formação de identidades sociais.” (p. 27).
No caso da identidade gaúcha, podemos assistir a uma determinada produção de sentidos que obtém um espaço privilegiado na constituição do campo de significação do que “é ser gaúcho”. Pode-se falar na predominância da representação do gaúcho do pampa, do meio rural, corajoso e destemido. São elementos que, segundo Jacks (1998), fazem parte do “mito do gaúcho”, o qual, conforme a autora, “engendrou um tipo, uma personalidade, que passou a identificar idealmente o gaúcho e impor-se como padrão de comportamento.” (p. 21)
É importante ressaltar aqui o papel que tem o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), criado em 1966, no sentido de ser um aglutinador destes significados presentes no chamado mito do gaúcho. O MTG coordena as ações dos Centros de Tradições Gaúchas (CTG) a ele filiados e demais entidades do gênero, realizam anualmente o Congresso Tradicionalista, coordena e dá assessoria a eventos como rodeios, festas campeiras, festivais nativistas, concursos de prendas e artísticos.
A preocupação do MTG para que as crianças aprendam, desde cedo, a maneira como se tornar gaúchos e gaúchas é latente. Barbosa Lessa, no primeiro congresso do MTG, realizado em Santa Maria no ano de 1954, defendeu a tese “O Sentido e o Valor do Tradicionalismo”, na qual aparecem as duas grandes questões do Tradicionalismo. Ao lado da assistência a ser dada ao homem do campo, a grande questão é a atenção a ser dada às novas gerações, pois, segundo o seu autor, o Tradicionalismo deve “operar com intensidade no setor infantil ou educacional, para que o movimento tradicionalista não desapareça com a nossa geração. É clara a preocupação com a renovação do Movimento, com a construção de novos gauchinhos e prendinhas, fato que será discutido na segunda parte desse trabalho, o qual se debruçará sobre reportagens publicadas durante Semana Farroupilha e que tratam justamente da inserção das crianças, seja via Escola ou família, no discurso do gauchismo. Dessa forma, as crianças aprendem, desde cedo como “ser” gaúcho ou gaúcha.
Autores: Letícia Fonseca Richthofen de Freitas e Rosa Maria Hessel Silveira