A Passagem da Tradição Cultural

Autor: Evaldo Munõz Braz
Vi, há algum tempo, a queixa de um pai que reclamava que os filhos, quando cresciam um pouco, abandonavam as tradições. Também a questão de um articulista do Jornal do Nativismo sobre o preconceito local (chamou a atenção por estar pilchado) com a cultura gaúcha.

Realmente no Rio Grande está ficando difícil repassar as tradições básicas do estado (e, mais estranho ainda, o que deveria ser considerado normal, é considerado exótico, como o caso da roupa campeira. Os dois articuladores tem toda razão. Mas isto se deve a que?Algumas considerações podem ser feitas:

1) Vamos a verdade , a grane mídia formal trabalha praticamente alheia a região: A mídia erroneamente (talvez por julgar fora de sua alçada) pouco divulga com antecedência eventos ligados a cultura gauchesca ou crioula. Normalmente o faz (quando o faz) após os acontecimentos. Temos mais informação da vida social de S.Paulo do que o que acontece no estado.Por exemplo, quando o pesquisador Paixão Côrtes lança outro livro não recebe o adequado respaldo dos meios de comunicação, principalmente da mídia escrita.

Quando se trata de domas ou rodeios então, qualquer outro evento esportivo tem mais espaço! Como saber com agilidade quando chegamos ao Rio Grande destas informações? (Os rodeios dos caipiras, inclusive aqui, tem mais publicidade!!!).

2) Muitos “intelectuais” rio-grandenses, presos em seu eterno paradigma, afetando cosmopolitismo esculhambam a cultura gaúcha como um todo provocando confusões teóricas nos menos avisados.Evitam qualquer contato com a cultura gaúcha, como estigma de falta de cultura. Pretendem descender de qualquer cultura, menos desta, legitimamente latino-americana. Ignoram talvez Athaualpa Yupanqui ou Jayme Caetano Braun.

Dada a sua respeitabilidade (intelectuais) aparente e debilidade de informação histórica/antropológica sobre o gaúcho antigo por parte de quem gosta da cultura gaúcha, para responder adequadamente , estes que gostam normalmente se calam. O efeito sobre os jovens é devastador.

Exemplo: quando meu filho fez cursinho para o vestibular, no segundo dia voltou dizendo que o professor afirmara que a cultura gaúcha era falsa, etc. Claro , o professor tinha lacunas culturais. Lera só alguns escritores que tinham ódio ao gaúcho (e isso virou moda). mas não se dera ao trabalho de ir adiante e ler a história com uma maior compreensão.

3) Os livros escolares não incluem mais informações sobre as características de nossa cultura, lendas, curiosidades como nos livros do passado, que passavam estas informações de maneira natural e divertida.

4) Não criamos nossos filhos dentro um ambiente naturalmente gaúcho. Não é preciso obrigar a nada. Mas ouvimos diariamente em casa músicas gaúchas de qualidade?Comentamos com nossos filhos as bases da formação do Rio Grande antigo? Sabemos realmente quem era o gaúcho antigo e passamos isto para os filhos?Quem sabe narrar alguma passagem bonita da Revolução Farroupilha ou causos construtivos (não piadas grosseiras) para as crianças?

Ora, é necessário se ter um substrato ou parecerá para os filhos que nossa cultura é uma “invenção” artificial.Procuramos interessar as crianças desde cedo a andar a cavalo (em chácara, fazenda de um amigo, pista de equitação)? O conhecimento da encilha atrai muito as crianças.
Explicamos as crianças que esta é uma peculiaridade nossa e nas outras regiões haverá outros fatores comportamentais (nem melhor e nem piores que os nossos)?
Alguém já deu algum livro de Simões Lopes Neto ou Darcy Azambuja para um filho adolescente? Ou o Continente , do Érico Veríssimo? Já deu para um filho um CD gaúcho de qualidade?
Quem tem origem no campo/colônia em uma ou duas gerações (a médio ou longo prazo, todos temos) comentou a vida rural dos avós com os filhos?Ensinamos aos meninos termos/expressões campeiros gaúchos?Sabemos a história do estado?
Concluindo: sem fatores assim e com a competição da mídia massificadora, que divulga dioturnamente o “de fora” em detrimento do local, mesmo para adultos (professores, jornalistas, etc), o “normal” passa a ser o produzido em qualquer outro lugar.
O exótico passa a ser o local. Um vaqueiro nordestino, um samurai ou um cowboy americano (com suas histórias bonitas, diga-se de passagem, e divulgadas aos quatro ventos por suas regiões ou países de origem) passam a ter mais proximidade que um gaúcho pilchado que atravessa a rua.
Sobre o autor: Evaldo Muñoz Braz é pesquisador sobre a cultura gaúcha. Autor de Manifesto Gaúcho e Retratos do Gaúcho Antigo, a gênese de uma cultura.

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