O Protocolo de Kyoto e a terceira etapa da “ecodiplomacia”

178 a 1. Esse foi o placar da conferência sobre mudanças climáticas realizada em Bonn (Alemanha), no final de julho. O único Estado que se recusou a firmar a versão revisada do Protocolo de Kyoto foi os Estados Unidos.
Do ponto de vista diplomático, o placar arrasador expressa a vitória alcançada pelos Estados europeus, que souberam atrair o Japão, e o isolamento, estranho e preocupante, dos Estados Unidos. A adesão européia e japonesa é suficiente para conferir força legal ao Protocolo de Kyoto. A “ecodiplomacia” ingressa, definitivamente, na sua terceira etapa, marcada pelo estabelecimento de regras compulsórias e pelo esgotamento da política de consenso retórico vigente desde a Conferência de Estocolmo, em 1972.
A primeira etapa da “ecodiplomacia” transcorreu sob o signo das idéias do Clube de Roma, que continuam a fundamentar as concepções da maior parte das organizações ambientalistas. O Clube de Roma nasceu em 1968, congregando cientistas, economistas e altos funcionários governamentais, com a finalidade de interpretar o que foi denominado, sob uma perspectiva ecológica, “sistema global”.
O arcabouço teórico do pensamento do Clube de Roma reside na idéia de que o planeta é um sistema finito de recursos, submetido às pressões do crescimento exponencial da população e da produção econômica. As suas conclusões apontavam o horizonte do colapso do sistema. As suas propostas organizavam-se em torno da noção de um gerenciamento global da demografia e da economia, a fim de alcançar um estado de equilíbrio dinâmico. Severas medidas de controle da natalidade e mudanças radicais nos modelos produtivos, com ênfase numa “economia de serviços”, eram as recomendações centrais da nova escola de pensamento ecológico.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, ocorreu sob a égide dessas concepções e produziu declarações diplomáticas genéricas. O seu resultado mais efetivo foi a criação do novo campo da política internacional – a “ecodiplomacia”.
A segunda etapa da “ecodiplomacia” teve como ponto alto a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no rio de Janeiro, em 1992. A ECO-92 vinculou meio ambiente e desenvolvimento, politizando definitivamente o debate. Dela emergiu o conceito de desenvolvimento sustentável, expressão de estratégias econômicas destinadas a promover o crescimento da riqueza e a melhoria das condições de vida através de modelos capazes de evitar a degradação ambiental e a exaustão dos recursos naturais.
Contudo, sobretudo, a ECO-92 rejeitou a noção de que a defesa do meio ambiente pudesse conduzir à imposição de limites para o crescimento econômico dos países em desenvolvimento. Os tratados que emergiram da conferência identificam nos padrões de produção e consumo dos países desenvolvidos as principais fontes de poluição ambiental. O tratamento do tema do aquecimento global sintetizou um método: a Convenção do Clima definiu metas de emissões para os países desenvolvidos, mas não para os países em desenvolvimento.
As negociações para a Convenção do Clima foram marcadas pela resistência dos Estados Unidos à fixação de limites compulsórios para emissões de gases de estufa. No fim, os países desenvolvidos comprometeram-se a congelar, até o ano 2000, as emissões de CO2 nos níveis registrados em 1990. Não foram fixados limites nacionais compulsórios e o compromisso unilateral não se revestiu de valor jurídico. Esse padrão caracterizou a ECO-92: os tratados refletiram consensos retóricos sobre princípios gerais, sustentados pela ausência de obrigações precisas ou compromissos compulsórios.
O Protocolo de Kyoto, firmado em dezembro de 1997 e anexado à Convenção do Clima, inaugurou a terceira etapa da “ecodiplomacia”. Na ocasião, fixou-se o compromisso compulsório de redução de 5% nos níveis de emissões de 1990, a ser atingida entre 2008 e 2012. Também criou-se um sistema de comércio de créditos de emissões entre os países, de modo a conferir flexibilidade ao tratado e reduzir os custos do ajuste das economias nacionais.
Estados Unidos versus União Européia
A administração de George Bush já revelou, em várias ocasiões, a sua aversão ao multilateralismo e, em particular, às instituições e tratados internacionais que limitam o espectro de opções de política nacional dos Estados Unidos. A ruptura de Washington com o Protocolo de Kyoto, qualificado como “fundamentalmente equivocado” por Bush já durante a campanha eleitoral, sinalizou a tendência unilateralista da nova administração.
A reação européia consistiu em assumir a liderança de frenéticas negociações destinadas a salvar o Protocolo. Os europeus jogaram pesado. Para conseguir o apoio indispensável do Japão, propuseram a adoção de uma noção extremamente abrangente de “sumidouros de gases de estufa”: assim, as florestas preservadas funcionam como pretextos para vastos descontos nos tetos de emissões.
Por que os europeus empenharam-se a fundo em salvar o Protocolo, isolando os Estados Unidos e impondo constrangedora derrota diplomática à administração Bush? Há uma resposta óbvia: tratava-se de punir o unilateralismo e afirmar a independência européia no sistema internacional. Mas isso é apenas uma dimensão das motivações européias, e talvez não seja a mais interessante.
O aquecimento global, ao que tudo indica, é um desafio sério. Segundo as projeções médias atuais do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a média térmica global tende a aumentar em 2,10C até 2100, em virtude essencialmente da interferência humana. Contudo, de acordo com um modelo de Tom Wigley, um dos principais autores dos relatórios do IPCC, a aplicação do Protocolo de Kyoto teria apenas o poder de reduzir para 1,90C o aumento da média térmica global. E isso na hipótese, hoje bastante improvável, de que os Estados Unidos aderissem ao tratado.O Protocolo de Kyoto não tem o poder de “salvar o planeta” – que, inclusive, não está em perigo – ou assegurar “o futuro da humanidade”, para utilizar as expressões ingênuas e enganosas tão em voga no debate ambiental. Mas o tratado tem o poder de condicionar as políticas industriais nacionais, estimulando a inovação tecnológica na esfera crucial da produção e consumo de energia.
Quando a administração Clinton firmou o tratado, estava se engajando em políticas de inovação tecnológica tendentes a substituir o uso de combustíveis fósseis e promover a eficiência energética. A sinalização fornecida por Kyoto foi compreendida por empresas do setor de energia e montadoras automobilísticas, tanto nos Estados Unidos como na Europa e Japão. Ao lançar a operação de salvamento do Protocolo, os Estados europeus revelaram um compromisso estratégico com essas políticas, que prometem gerar uma onda de inovações e criar vantagens comparativas para as economias capazes de liderar o salto para o padrão energético do futuro.
A administração Bush escolheu, ao que parece, um outro caminho, baseado na manutenção de um padrão energético dependente da queima de combustíveis fósseis. Pior para os Estados Unidos.

Autor: Demétrio Magnoli
Fonte: Revista Pangea