Tradicionalismo Gaúcho: Um Fenômeno Sócio-Cultural riograndense

Comunicar na atualidade é sinônimo de instantaniedade, diferente dos séculos XV, XVI, XVII, XVIII XIX que a difusão das idéias e as grandes decisões não chegavam as grandes massas.
Por isso que quando, do tratado de Tordesilhas, entre Espanha e Portugal os índios que viviam no Brasil não ficaram sabendo que haviam se tornado súditos dos Espanhóis. Por esse motivo os dias e noites seguiam, para eles, da mesma forma. À noite, reunidos em torno do fogo-de-chão os mais velhos contavam causos e historias, ouvidos atentamente pelos mais jovens, que faziam disso sua escola. Esse amor, esse apego a terra natal caracterizava os nativos do continente, pois era da mãe-terra que eles tiravam seu sustento, daí o sentimento telúrico que mais tarde também caracterizou o gentílico sul riograndense.J
á no século XVIII esse indivíduo começa a aparecer no cenário pastoril de nosso território, como uma casta de índios-vagos, registrado em 1777 pela comissão demarcadora de limites dos tratados, onde dizia que o guanches ou gauches eram homens sem um paradeiro, matador de touros chimarrões. Auguste de Saint-Hilare também descreveu esse homem rude como um consumidor de carne, toma mate e tem tendência a barbárie. Depois Nicolau Dreys deu seu parecer, dizendo que os gaúchos estão em todas partes onde existem estâncias e charqueadas em que emprestam sua força para as lides campeiras, sem chefes, sem leis. Formam-se originalmente do contato da raça branco com a indígena.
Os próprios viajantes que pelo sul passaram falavam que o “continentino” diferenciava-se dos demais, como paulista e mineiro por serem arraigados a terra.
O decênio farrapo que propiciou além da tensão entre a civilização pastoril e a urbana, de outra parte conscientizou a existência de uma pátria continentina e estreitou os laços de solidariedade entre famílias patriarcais e os galpões, na busca da estabilidade territorial.
Em 1854 temos uma das primeiras evocações telúricas do RS, pois na Corte no Rio de Janeiro, o professor Pereira Coruja fundou a SOCIEDADE SUL RIOGRANDENSE, como entidade solidária e de encontro dos riograndeses.
O século XIX foi, sem dúvida nenhuma o período de crescimento mundial, e não poderia deixar de ser, aqui no sul do Brasil surgiam grandes nomes como os fundadores do Partido Liberal Histórico, como Gaspar Silveira Martins, Felix da Cunha, Pinheiro Machado, entre outros. Isso em 1860, como um marco do revigoramento consciente da tradição riograndense. O Partido Liberal Histórico buscava os ideais de federação, mas rejeitava a forma republicana de governo.
Na mesma década de 60, em 1868 em plena guerra do Paraguai despontava o jovem de 24 anos, chamado Apolinário Porto Alegre, a abolicionista e republicano, que fundou o Partenon Literário, que agremiava intelectuais da época.
Em São Paulo nascia o Partido Republicano, que atraiu jovens como Julio de Castilhos e Assis Brasil que criaram uma agremiação chamada club 20 de setembro.
A escolarização foi algo demorado a chegar à população rural e mesmo na urbana não eram muitos que tinham essa capacidade de deter o conhecimento. Por isso os grandes líderes detinham a retórica e davam-se os grandes embates políticos, defrontando-se gigantes como Silveira Martins e Julio de Castilhos. A grande maioria do povo restava apenas segui-los nas coxilhas onde irmão matava irmão.
A sociedade começava a separar-se, de um lado a urbana para não se confundido com a sociedade pastoril, reunia-se nos clubes comerciais (elite) e Caixeral (mídia) enquanto ao peão restava apenas o aconchego do galpão e da viola, onde cantava seu amor a terra.
Final do século XIX, 1898 o major João Cezimbra Jaques, precursor do gauchismo Cívico, criou o grêmio gaúcho de Porto Alegre. Também surge em Pelotas, a União Gaúcha criada em 1899 por João Simões Lopes Neto. Este elucidava o porquê da criação de tal agremiação:
“Hábitos saudáveis na família estão sendo cada dia, abolidos. Brincadeiras infantis, esquecidos. Praticas e Usanças características, desprezadas. (...) é o lento suicídio de nossa personalidade.”
As agremiações criadas ainda, no século XIX, como grêmio gaúcho de Porto Alegre (1898), União Gaúcha (1899), Centro Gaúcho de Bagé (1899) e no inicio do século XX o Grêmio Gaúcho de Santa Maria (1901), Sociedade Gaúcha Lomba Grande (1938) e o Clube Farroupilha de Ijuí (1943) foram o despertar do patriotismo como uma alavanca na afirmação da identidade local. Era a semente que germinaria com muita força na segunda metade do século XX.Enquanto Simões Lopes Neto divulgava seus trabalhos folclóricos, no Rio de Janeiro os sul-rio-grandenses ganhavam o apelido de “gaúchos”. O Dr. Severino de Sá Brito registrava com simpatia a novidade:
De algum tempo nossos amáveis patrícios do RJ nas suas habituais gentilezas nos alcunham de gaúchos, por darem a essa palavra uma expressão de galhardia e elevação”
Mas no Rio Grande o fato causou mal estar à elite urbana, onde saiu no Almanak do RS em 1912 o artigo “gaúcho, por quê?”. As criticas eram enormes, a ponto de Cezimbra Jaques exilar-se no RJ para não ser ridicularizado.
Após a primeira grande guerra, já na década de 20 os riograndenses já vinham aceitando, sem maiores restrições, a alcunha de gaúcho, que vinha, coincidentemente como os modismos, de fora. A classificação dada era relacionada à perícia campeira, das habilidades exercidas sobre os animais nas lidas de campo da estância.
Defendendo a arte literária riograndense Darcy Azambuja na prosa e Vargas Neto na poesia começavam a afirmar as características do regionalismo gaúcho.
“O que o homem dos campos, tanto o estancieiro quanto o mais humilde trabalhador rural, oferece de impressionante, (...) é a capacidade de renovação e a adaptação à vida. Não é a indumentária o essencial a sua caracterização, ou o modo de conduzir a sua vida, pois vestido à européia, a pe ou a cavalo derrubando touros ou vindo operas (...) o que dá fisionomia histórica do gaúcho, o seu vinculo de diferenciação é a franqueza nas atitudes e nas palavras, o narcisismo, a bravura quixotesca, a vocação cívica, o bom humor mesclado a irreprimíveis explosões sentimentais e fatalistas. Tais virtudes e defeitos constituem o fundo permanente, imutável, o seu caráter. Por isso não variam com as condições materiais ou morais de vida”
João Pinto da Silva Recrutado da história riograndense, o gaúcho ressurge na literatura e nas artes, como o símbolo da afirmação da identidade local, provindo da revolução ocorrida na Semana da Arte Moderna de 1922, onde se buscava no regional a afirmação nacionalista. A expressão “gaúcho” perde sua conotação pejorativa para se tornar a representação altiva do gentílico riograndense.
Rogério Bastos, Diretor Administrativo FCG-MTG
Fonte: página do MTG www.mtg.org.br