V - Crescimento do Gauchismo

QUINTA PARTE DO TEXTO:EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO: O MOVIMENTO TRADICIONALISTA GAÚCHO(Ruben Oliven)

A expansão do Tradicionalismo seguiu uma dinâmica interessante. O movimento teve pouca repercussão em Porto Alegre, mas no interior do estado, e mesmo fora dele, seu crescimento foi impressionante. A partir do I Congresso Tradicionalista realizado em 1954 em Santa Maria, os centros de tradição gaúcha passaram a reunir-se anualmente para ouvir a apresentação de teses, aprovar moções e tomar deliberações. No VII Congresso, realizado em Taquara em 1961, foi aprovada a Carta de Princípios do Movimento Tradicionalista, redigida por Glaucus Saraiva, um dos fundadores do ‘35’ e autor do Manual do tradicionalista (Saraiva, 1968), que fornece orientações para os tradicionalistas e os centros de tradições gaúchas.
Durante o XII Congresso, realizado em Tramandaí em 1966, foi fundado o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), que passou a congregar a maior parte das entidades do estado, tomando-se “o catalizador, disciplinador e orientador das atividades dos seus filiados, no que diz respeito ao preconizado na Carta de Princípios do Tradicionalismo Gaúcho” (Mariante, 1976, p. 13).O Tradicionalismo conseguiu se expandir também em outras direções. Em 1954, o governo do estado criou o Instituto de Tradições e Folclore, vinculado à Divisão de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura, transformado vinte anos depois na Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, órgãos normalmente dirigidos por tradicionalistas. Em 1964, uma lei estadual oficializou a Semana Farroupilha (entre 14 e 20 de setembro de cada ano), fazendo com que a Chama Crioula passasse a ser recebida com todas as honras no Palácio Piratini, sede do governo, e se tornassem oficiais os desfiles realizados em 20 de setembro, em quase todas as cidades do estado, pelos centros de tradições gaúchas e a Brigada Militar. Em 1966, outra lei estadual elevou o hino farroupilha à condição de hino do Rio Grande do Sul. No governo Triches (1971-1975), foi montado, no Palácio Piratini, um ‘galpão crioulo’, que procura recriar o ambiente das estâncias e serve para recepcionar visitantes ilustres, com churrasco, carreteiro (l3)e apresentações de música e de danças regionais. Nesse mesmo período o estado doou um terreno para que o 35 CTG pudesse construir sua sede própria.
Em 1979 foi criada a Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo, desmembrando-se a antiga Secretaria de Educação e Cultura. Seu segundo titular foi Luiz Carlos Barbosa Lessa, um dos fundadores do ‘35’, que, defendendo a existência de doze regiões culturais no estado, implantou pólos para interiorizar a cultura gaúcha (Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Governo do Rio Grande do Sul, sal.). As atividades regionalistas passaram a contar com um apoio que não conheciam antes. (14) Em 1988, uma lei estadual instituiu, na disciplina de Estudos Sociais, o ensino do folclore em todas as escolas estaduais de primeiro e segundo graus do Rio Grande do Sul.
Em 1989, outra lei oficializou as pilchas (conjunto de vestes típicas dos antigos gaúchos, compreendendo a bombacha, botas, lenço e chapéu) como “traje de honra e de uso preferencial” no estado, deixando sua caracterização a cargo “dos ditames e diretrizes do Movimento Tradicionalista Gaúcho”.
O Tradicionalismo também conseguiu irradiar na sociedade civil o culto às tradições gaúchas. Criaram-se a Estância da Poesia Crioula, uma espécie de academia de letras para escritores de temas gauchescos, e a missa crioula, com uma liturgia inspirada na mesma temática, na qual Deus é chamado “patrão celestial”, a Virgem Maria é a “primeira prenda do Céu” e São Pedro aparece como “capataz de estância”. O casamento crioulo, realizado com noivos vestidos de acordo com a tradição, também se tomou bastante comum no estado. Em várias cidades do interior, rodeios festivos passaram a reviver as lides campeiras das estâncias, e o Movimento Tradicionalista Gaúcho instituiu um concurso anual para escolher a ‘primeira prenda’ do Rio Grande do Sul. Em 1971, em Uruguaiana, cidade localizada na área da Campanha, o CTG Sinuelo do Pago criou a Califórnia da Canção Nativa, primeiro festival de música nativista do estado. Realizado anualmente, ele serviu de modelo para os cerca de quarenta festivais existentes hoje nas mais diversas regiões. Esses eventos costumam reunir milhares de jovens que, geralmente acampados, evocam as músicas e o ambiente da vida campeira, bem como os símbolos da identidade regional (Araújo, 1987).(15)
O crescente interesse pelas coisas gaúchas ajuda a explicar o consumo de produtos culturais voltados para essa temática. Uma emissora FM da Grande Porto Alegre se define como uma “rádio de bombachas” e só toca músicas nativistas, tendo sido premiada, em 1989, com o título de Veículo de Comunicação do Ano, concedido pela Associação Rio-Grandense de Propaganda. Além dela, outros programas de rádio e de televisão, colunas em jornais, revistas e publicações especializadas, livros, editoras, livrarias, feiras de livros e a própria publicidade fazem referência direta aos valores gaúchos (Jacks, 1987). O mesmo ocorre com bailões (Maciel, 1984), conjuntos musicais, cantores, discos, restaurantes típicos (com shows de músicas e danças gaúchas), lojas de roupas etc. Trata-se de um mercado de bens materiais e simbólicos de dimensões nada desprezíveis, que movimenta grande número de pessoas e recursos e que, pelo visto, está em expansão.O consumo de produtos culturais gaúchos não é novidade, mas era bem menor e estava mais concentrado no campo ou em camadas populares (urbanas e suburbanas) de origem rural. A novidade são os jovens das cidades, em boa parte de classe média, que há pouco tempo começaram a tomar chimarrão, vestir bombachas e ouvir música gaúcha - hábitos que perderam o estigma da grossura. O novo mercado está concentrado em cidades, onde vivem cerca de 75°lo da população do estado, e atinge grande número de pessoas sem vivências rurais. (16)


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