Semana Farroupilha (Parte II) - Complexo de Não Ser Diferente

Autor: Evaldo Muñoz Braz
(I)
Bem, previmos em texto anterior (Cultura Gaúcha E Semana Farroupilha, Jornal do Nativismo de setembro), durante a Semana Farroupilha e sua proximidade, a mídia escrita abundou em textos escritos por intelectuais riograndenses (!?) que se sentem desconfortáveis com nossa cultura. Um jornal importante da capital abriu espaço (mas com reduzido espaço e com muita dificuldade, para contestação) para intelectuais criticarem a Semana Farroupilha, taxando-a principalmente de demarcar fortemente a “diferença” com outros estados. Isto merece algumas análises.

Ora, parece que estes intelectuais não percebem, ou não querem perceber que nos sentimos tão diferentes como os paulistas se sentem e manifestam-se diferentes dos cariocas e vice versa (os simpáticos cariocas não tem seu supercarnaval?). E os mineiros do resto do país. E os nordestinos (principalmente os cearenses) saudavelmente professam suas diferenças e riqueza cultural.
Alguns intelectuais riograndenses já estão rançosos com seu eterno mea culpa da “diferença”. Parecem ter um estranho complexo de “não querer ser diferente do resto do país”. Como se dependesse disso sua inclusão na “inteligência” nacional. Para eles, cultura é somente o “de fora” como diz Roberto Gomes em seu excelente Crítica da Razão Tupiniquim. Tal como o Brasil intelectual bajula o "de fora", alguns nossos também querem o "de fora" anulando o local. Pena. Só para lembrar, os japoneses curtem seu eterno samurai e o ator escocês Sean Connery, enverga (ele gosta de fazer a “diferença” em solenidades com relação aos ingleses), sem nenhum “transtorno de personalidade”, seu kilt (saiote escocês).

(II)

Mais grave que isto, nos últimos anos, a culpa com relação ao estado, desde “necessidade de modernização intelectual da província”; nossa “irrelevância política nas últimas décadas”; decadência econômicas, etc, são sistematicamente atribuídos (por estes mesmos intelectuais) como causas das comemorações gauchescas! Não seria uma simplificação? Existem outras festas gigantescas em outros estados, sem que sejam identificadas como perigosos “transtornos de personalidade” ou “egocentrismo”. Ou ainda, com drásticos efeitos sócio-econômicos! Repito: Não é monopólio do nosso estado delimitar suas características culturais regionais. E esta suposição de “alguém se sentir melhor que outro”? Bem, isto parece estar só na mente destes intelectuais, algo particular. Não conheço nenhum riograndense que se identifique com esta suposição. Fico preocupado também, se isto não manifesta secretamente (em que parte obscura da mente?) por parte destes intelectuais uma refutação a ser/sentir-se latino americano?

Nesta semana farroupilha, na mídia, o único elogio ficou para o lúcido excelente texto de nosso grande escritor Moacyr Scliar (“A celebração da identidade”, publicado no jornal Zero Hora) que com sua cultura judaica milenar, sabe que: “É (sobre as comemorações farroupilhas) uma identidade. E identidade, num mundo globalizado, homogeneizado, é coisa que devemos preservar, porque nos afirma como pessoas. Em matéria de identidade devemos exigir tudo aquilo que temos direito”.

(III)
A cultura gaúcha tem sido atacada, no Rio Grande (é sempre bom lembrar que esta alucinação é interna), na falta (parece-me) de um desafio intelectual maior, por pessoas de esquerda e direita. Note-se o vazio de ambição de nossos intelectuais.
Marx previa que o capital, na sua ânsia por expansão, buscaria o máximo de espaço geográfico (e isto vale tanto com relação ao petróleo do Iraque como nosso espaço cultural no Rio Grande), homogeneizando ao máximo os gostos, para vender seu produtos (todo lixo de diversão divulgado pela grande mídia, esta, extremamente ligada ao somente comercial). Marx continua mais atual como nunca.
O patrulhamento cultural (sim porque verdadeiramente trata-se de um constante patrulhamento cultural) efetivado por estes “intelectuais” servem apenas para propósito de nossa alienação. Devemos digerir tudo que vem de fora? Mesmo que venha lixo junto? Porque não há uma crítica sobre este lixo e deixam nossa cultura (só alguns dias) de fora? Mentalidade colonizada? Quem saberá? Na Itália do passado, o filosofo Gramsci já identificava esta postura da intelectualidade italiana de “tradição livresca e abstrata” que se sente mais ligada a poetas e escritores medíocres do que aos camponeses de seu país.


(IV)


Agora, por favor senhores intelectuais, nascemos aqui. É normal que muitos de nós interessem-se por Jayme Caetano Braun. Como podemos não ser atraídos pela leitura de Hernández, Cyro Martins, Tabajara Ruas, Pedro Wayne, Assis Brasil, Sérgio Metz, Érico Veríssimo, Mario Arregui, Guiraldes, Ivan de Pedro Martins, ou Alcy Cheiuche, ou dos contos gaúchos de Jorge Luis Borges? Como posso não gostar de mate, pajadas, milongas, cavalgadas, gineteadas, churrasco etc? Como posso não gostar da poesia de Luis Menezes? Evidentemente que isto não nos impede de ler e gostar de Quintana, Sheakespeare, Conrad, Elliot, Tennesse Williams, Kafka, Fernando Pessoa, Hemingway, John dos Passos, Jorge Amado, Juremir Machado, Thomas Man, Moacyr Scliar, e tantos outros. Ah! E gostar de jazz (minha música predileta, depois da milonga), etc. É incrível que tenhamos que nos explicar por gostar de nossa cultura!


Diz Roberto Gomes: “É tão grave esquecer-se no passado como esquecer o passado. Nos dois casos desaparece a possibilidade de história.”


(V)

Vou terminar mais uma vez com uma frase do grande escritor argentino, Jorge Luis Borges: “Assim como os homens de outras regiões pressentem e admiram o mar, nos veneramos a planície sob os cascos dos cavalos”.
Não. Vou terminar com dois mestres escritores gaúchos. O mestre Simões Lopes Neto, nas palavras do vaqueano Blau Nunes: “Muita gente vem ao mundo sem saber pra quê. Vivem porque vêem os outros viverem.” E o nosso Moacyr Scliar, mais uma vez: “É uma identidade. E identidade, num mundo globalizado, homogeneizado, é coisa que devemos preservar, porque nos afirma como pessoas. Em matéria de identidade devemos exigir tudo aquilo que temos direito”.


Sobre o autor: Evaldo Muñoz Braz é pesquisador sobre a cultura gaúcha. Autor de Manifesto Gaúcho e Retratos do Gaúcho Antigo, a gênese de uma cultura.
Chasque:
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Origem: Enviado pelo autor